A Rota da Água (Jancido / Gondomar)

Estávamos no Porto, com vontade de esticar as pernas e apanhar ar. A manhã já ia avançada e nem botas de caminhada tínhamos; compramos um "lanche" e um Ice Tea e fomos fazer uma pequena volta circular, improvisada entre Travassos e as proximidades da Foz do Sousa, com passagem pelos moinhos de Jancido. Como equipamento fotográfico apenas o telemóvel...
O fio condutor deste percurso é a água: a partida numa praia fluvial, a companhia dos rios Ferreira e Sousa, este quase sempre à vista do caminheiro, o pequeno afluente que alimenta os moínhos de Jancido, a velha central de captação de água que alimentava o Porto, hoje um edifício histórico...

O carro ficou junto do Parque de Merendas de Travassos. Um recanto muito agradável, onde já não faltavam famílias a gozar o bom tempo e a preparar o piquenique.
Iniciamos o nosso percurso pelo Trilho da Pesqueira, cruzando por uma ponte de esteios o Rio Ferreira, cuja foz é ali mesmo, e subimos a margem direita do Sousa e logo a seguir acompanhamos a margem de um seu afluente, o ribeiro do Funtão (?).
O trajecto não engana: se bem que perto do Porto, o sítio respira ruralidade perdida, ou diminuída, há muito poucos anos. Rumamos sempre a norte, acabando por passar sob a A43 e tocamos agora os arrabaldes de Aldeia.
Entramos num frondoso eucaliptal ao tempo em que o nosso trilho inflecte para Oeste e depois sul, acabando por entrar num curto troço de asfalto antes de passar de novo sob a A43. Estamos agora num troço comum com o PR1 de Gondomar – “Linha de Midões e os Moinhos de Jancido”
A travessamos o Sousa, por uma ponte metálica com que os Rapazes de Jancido (falarei deles mais adiante) substituiram a velha ponte de caminho de ferro, que ruiu. Atravessando, estamos sobre o leito abandonado da via, o Trilho da Linha.

Um delícia o trilho, ribeirinho, seguindo de perto a margem esquerda do rio, até que chegamos ao mais surpreendente recanto do dia, os Moinhos de Jancido. A água de um regato cuja fonte provavelmente até vem do Sousa, mais acima (o rio faz aqui um longo pescoço), vem precipitar-se nos rodízios de vários moinhos dispostos em cascata. Surgimos no ponto mais baixo, onde a água se reúne ao Sousa, um sítio com mesa de piquenique, um baloiço, e um cenário que faria as delícias de Camille Corot.
A tranquilidade, a frescura, o rio em pano de fundo, o murmurejar da queda de água, prendem-nos. Fizemos ali o nosso piquenique numa das mesas disponíveis e depois de visitar a sucessão de moinhos descemos de novo ao reencontro do Sousa.

Resolvemos não seguir mais o trilho da Linha, para progredir junto aos verdes da margem. Passamos à ponte de Longras (onde também existem mesas) e só fomos retomar o trilho mesmo no seu final, onde se aproxima da EM614. Pelo caminho vimos uma familia atarefada, de pés mergulhados no rio, roupas de banho, a remexer o fundo. Estávamos precisamente frente ao nosso ponto de partida, mas na outra margem. Soubemos depois que andavam a apanhar... ameijoa!!

A estrada municipal atravessa o rio na ponte se Santo Amaro, junto do parque de merendas com o mesmo nome, e nós abandonámo-la logo a seguir, para tomar a Rua das Águas. Na curva da estrada ajudamos uma vendedora a livrar-se de algumas nozes, as primeiras do ano.
Depois tomamos um café na Associação dos Reformados da Foz do Sousa, e fomos passar na Central de Captação de Águas da Foz do Sousa. Mais uns passos e estávamos de regresso ao ponto de início, onde o grupo da ameijoa continuava atarefadíssimo, e numa larga mesa de merendas a animação ia grande e a comida pouca, pois enquanto caminhávamos nós, empanturravam-se eles!


Parque de Merendas de Travassos

Situado na freguesia da Foz do Sousa, junto à foz do Rio Ferreira, é um espaço de 3750m2, com mesas para piqueniques, e a tranquilidade conferida pela rio que ali se espraia, numa zona de pouca profundidade. Numa das entradas um poema recorda:
Aproveita este recanto
Em forma de bem pensar
Não chames a ti o pranto
Destruindo um belo canto
No qual podes descansar




Rio Sousa

O Sousa é o grande herói deste pequeno percurso circular: caminhamos o tempo todo em volta das suas águas, e é também um pequeno afluente seu quem faz mover as rodas dos Moinhos de Jancido, a grande atracção da caminhada.
Tem nascente na freguesia de Friande, (concelho de Felgueiras) e desagua 51km mais abaixo, na margem direita do rio Douro, na freguesia de Foz do Sousa.


Rio Ferreira

O Ferreira brota em múltiplas nascentes da antiga Chã de Ferreira, admitindo-se como nascente principal a de Freamunde. Com um comprimento de 43km, vai desaguar no rio Sousa precisamente no ponto onde iniciamos o trilho, em Travassos. Neste ponto o rio Ferreira é vencido por uma ponte com o mesmo estilo da de Longras, que não sei se não foi também reconstruída pelo povo de Jancido.
No percurso existem duas ETAR, uma no concelho de Paços de Ferreira, e outra no concelho de Gondomar em São Pedro da Cova.


Ponte de Longras

Pouca informação consegui sobre esta ponte. Parece ser centenária, a recuperação foi despoletada pelo "grupo dos cinco" que tomou em mãos o restauro dos moinhos de Jancido, e presumo que seria utilizada como ligação rápida para cereal e farinha serem movimentados entre os moinhos e as aldeias mais a Norte.


Moinhos de Jancido

São oito moinhos com mais de duzentos anos, um deles muito curioso, redondo em pedra de xisto e telha de lousa, a Cascata do Caiáguas mesmo ao seu lado.
Os moinhos são movidos por águas que brotam na zona e se dirigem ao Sousa, em parte conduzidas por levadas. O curso de água terá uns mil metros. Todos tem nome, herdado das famílias a quem pertenciam: Moinho do Quintas, Moinho do Oliveira, Moinho do Capela, Moinho do Alves, Moinho do Caralhitos, Moinho do Almeida, Moinho do Crestina e Moinho do Garrido, na ordem da nascente para a foz. A uma das famílias pertence uma amiga caminheira :)
O incrível é que funcionaram até aos anos 70 do século passado, o do Capela até 1979!
Todo o local, as condutas, as estruturas, foram recuperados recentemente pelos Amigos de Jacinto, um grupo de voluntários locais, que dedicou muito de seu tempo e esforço à cansativa, mas recompensadora tarefa. Agora é fácil seguir a água e visitar todos os moinhos, não faltando mesas de madeira abrigadas na sombra, para repasto ou descanso. Um obrigado para eles!




Antiga Central de Captação de Água da Foz do Sousa

A abundância de água trazida pelos rios Sousa e Ferreira propiciou a construção desta central, para abastecimento da cidade do Porto. Está abandonada há mais de trinta anos, e classificada como monumento de interesse público.

"A partir de 1855 e, em especial, através do decreto real aprovando o contrato firmado com a Compagnie Générale des Eaux pour l'Étranger, para construção de obras de captação, elevação, transporte e distribuição de água ao domicílio, que foi conferira ao Porto a exclusividade de utilização das águas dos Rios Sousa e Ferreira, erguendo-se, para o efeito, e entre outras estruturas, a 'Central-do-Sousa', mas cuja fragilidade, em tempo de cheias, justificou as beneficiações nela realizadas, já em finais do anos vinte do século XX, até que a edificação da 'Central Elevatória de Lever' conduziu à sua desactivação. (A Martins no site da DGPC)

Um mês antes do nosso percurso foi assinado um Memorando de Entendimento entre os Municípios de Gondomar e do Porto e a empresa Águas de Douro e Paiva (AdDP), que visa a criação e gestão de um Centro de Excelência da Água, nesta Central. Será um Centro de Conhecimento e Inovação assente no eixo Água-Energia, onde decorrerão ações de formação e de capacitação que promovam a disseminação do conhecimento científico e técnico, o debate de políticas públicas e a musealização.




A Linha de Midões

É uma antiga linha ferroviária de bitola de 60cm, que operou entre 1856 e 1927.
Por aqui rodaram as vagonetas carregadas de carvão extraído das minas de Midões e ouro e antimónio de Montalto, que eram carregados em barcos na Foz do Sousa para seguir Douro abaixo até à cidade do Porto.
As minas de Midões ficam pouco mais acima, entre Gens e Covelo.
Em 1872, pertencem à firma Hastings & Tait designação depois alterada para Veloso & Tait. Mas em 1916 o proprietário já é Manuel Martins da Rocha, que funda a Empresa Mineira do Carvão de Midões, Lda.
É com ele que se dá o crescimento, juntando concessões em Melres e São Pedro da Cova, e abrem-se novos poços, criam-se oficinas e... o caminho de ferro!
Em 1924, passa a empresa a designar-se de Companhia Anónima Portuguesa para Exploração de Combustíveis, mas a produção é suspensa em 1927, no meio de profunda crise financeira.