Subida ao Pico [Açores - Pico]
near Prainha do Galeão, Açores (Portugal)
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Itinerary description
Bom, começo este registo por dizer que o Pico sempre foi para mim um local fantástico, como que de outro planeta ou universo paralelo, e, portanto, inalcançável. Daquelas coisas que nunca pensamos muito bem nelas, mas quando pensamos é como se fosse algo saído de um livro de Júlio Verne ou de um filme de Méliès.
Tudo isso mudou há uns anos devido a dois fatores: o facto de a minha irmã ter vindo viver para os Açores, que me aproximou de uma região até então desconhecida, e a descoberta do geocaching, que hoje faz parte do meu modo de vida.
Com estes dois elementos em cena, começou a formar-se na minha mente a remota possibilidade de um dia vir a concretizar este sonho etéreo.
Com o passar dos anos, e com o aumento exponencial da minha paixão pela caminhada e pela montanha, a imagem do Pico começou a formar-se mais nitidamente no meu horizonte, até que no dia em que subi ao pico da Vara com a minha irmã, decidi que chegara a hora de deixar as palavras e passar aos atos, estabelecendo uma meta concreta para a subida ao ponto mais alto de Portugal. Felizmente que Timor Leste, Angola e Moçambique já não são territórios nossos, caso contrário teria certamente de aguardar mais uns anos para poder dizer o mesmo.
O ano passado, depois de um período difícil com a mais-que-tudo, decidi que seria uma boa oportunidade para tentar a subida ao Pico e pernoitar na cratera, como uma forma de comemorar a vitória de uma batalha na vida com uma outra vitória, esta mais simbólica.
Infelizmente, e apesar de a montanha ter colaborado com o tempo, não foi possível concretizar esse objetivo e tivemos de desistir a meio. Mas para mim foi apenas um "até já", pois já me tinha decidido e fá-lo-ia por nós dois.
Desta vez, na companhia da minha irmã, que também nunca subira lá acima, planeámos as coisas e marcámos três dias inteiros para tentar a subida.
Este seria o primeiro, e quis o destino que fosse precisamente hoje que faríamos a ascensão.
Acordámos às 4h30 e vimos que o tempo estava bom, como indicara a previsão no dia anterior.
O ano passado, por esta altura, sentia um friozinho na barriga, mas este ano nem tanto. Como já tinha estado na montanha, o lugar do nervosismo foi ocupado por uma grande serenidade e uma confiança inabalável de que seria hoje.
Às 5h20, chegámos à Casa da Montanha. Não havia nenhum carro cá fora, não havia luzes, não havia ninguém.
Fiquei confuso. Será que nos tinha escapado alguma coisa? Fomos bater à porta e foi aí que vi uma luzinha lá dentro. Afinal, a porta estava aberta, mas ainda não tinha chegado ninguém hoje para subir e parece que o rapaz passou pelas brasas.
Mais aliviados, preparámos as coisas e fomos fazer a inscrição. Às 5h45, já com a lanterna na cabeça, o material de segurança e o equipamento confirmados, iniciámos a epopeia, com a montanha toda para nós.
O trajeto até ao marco 2 fez-se em ritmo acelerado. A adrenalina era muita e perde-se um pouco a noção das dificuldades e da distância, ainda por cima de noite. Além disso, a mente ainda está muito focada e com atenção a tudo, o que relativiza ainda mais o tempo. A partir do marco 2, ainda faltava uma hora para o nascer do Sol, mas o céu já tinha um pouco de luz, a juntar à da Lua, que estava bem acima de nós. Além destas luzes, viam-se as da Madalena ao fundo, as da Horta no Faial e as de São Mateus e São Caetano à direita. Com o esforço inicial, nem se tem muito bem a noção do que nos envolve, mas a pouco a pouco, começamo-nos a aperceber da paisagem, do gigantismo que se desenha à nossa frente e das pernas que já andam e trepam quase por elas próprias.
Íamo-nos aproximando do topo, até que chegámos ao marco 26, onde eu havia voltado para trás o ano passado. A partir daí, era terreno desconhecido. Mas nem tanto, porque a marca desta montanha tinha ficado bem vincada em mim, e foi como se não tivesse havido hiato entre estes dois momentos.
A mana vinha a subir bem, mas embora quisesse deixá-la passar a sua própria experiência, estava sempre de olho, tentando ajudar sempre que a via com maiores problemas.
Quando o Sol nasceu, estávamos no último terço do trilho, mas víamos apenas a sombra imensa da montanha sobre o Faial e o mar, com uma paisagem incrível onde se via um manto de nuvens que chocava contra o Cabeço Gordo e se elevava como um rio se eleva sobre um rochedo.
Com a parte mais difícil para trás, entre os marcos 26 e 36, chegámos a uma parte mais fácil que contorna a parte lateral da montanha, até conseguirmos ver a parte leste da ilha, com vista para as Lajes e a Ponta da Ilha, já com o astro rei acima do horizonte e uma luz a que nenhuma fotografia poderá fazer jus.
Vi o Piquinho pela primeira vez às 9h30.
Ao longo destes anos, não me esforcei muito para ver fotos e vídeos do topo do Pico. Queria guardar alguma surpresa para quando ali chegasse, sem ver esta paisagem assombrosa pelos olhos de outros.
Foi com um misto de solenidade e de espanto que cheguei à cratera, vendo efectivamente aquele cenário pela primeira vez, com aquelas paredes enormes e o Piquinho, imponente, de aspeto autoritário, como que a dizer "Ainda te falta venceres estes 70 metros."
Confesso que não sei explicar muito bem a sensação de estar ali, sem nuvens, a contemplar toda aquela paisagem.
Pode-se dizer que é realmente uma experiência espiritual, de tão transcendental, que nos assola todos os sentidos. Chegar ali, aos 40 anos de idade, faz-nos pensar que vale a pena subir montanhas para vermos as coisas com outras perspectivas, com outro olhar e crescer com isso.
Pouco depois, chegou a mana. Ficámos ali um pouco em silêncio, pois ainda éramos os únicos na cratera, tirámos algumas fotos e descemos até ao último marco, o 46, já no início da subida para o Piquinho. Fizemos um pequeno lanche e avançámos até ao topo de Portugal. Os últimos metros intimidam um pouco à primeira vista, pois a subida é realmente mais íngreme que todo o trajeto até ali, mas não é nada de impeditivo para quem ainda tem força nas pernas e nos joelhos (e não tem medo de alturas).
Pé aqui, mão acolá, puxa daqui, estica dali, a ajudar a mana sempre que precisava, e chegámos ao topo, 2351 metros de pura felicidade e realização.
Eram 10h15. A sensação que se tem quando se chega ali multiplica-se e as palavras tornam-se escassas e infacundas para descrever o que se sente naquele momento. A mana chegou pouco depois, com as pernas a tremer devido às vertigens, mas isso não a demoveu, e chegou ao marco, vitoriosa.
O vento uivava forte, o nevoeiro fez as suas primeiras aparições, mas logo se dissipou.
Muitas fotografias depois, lembrei-me que havia uma cache para encontrar. Desci do pico, contornei uma furna quentinha e com um ligeiro odor a enxofre e, com a dica em mente, não tardei a dar com o contentor. Uma cache GC6, já com mais de 14 anos, nomeada aos Prémios GPS e no Top 500 de favoritos em Portugal. Não haverá certamente muitas como esta.
Fotos e mais fotos, decidimos descer. Foi aí que chegaram as primeiras pessoas à cratera. Quando chegaram ao cimo do Piquinho, deixámos o lugar e descemos calmamente, até à orla.
A descida, fi-la sempre com dores no joelho esquerdo, mas, felizmente, o direito aguentou-se e consegui descer sem cair nenhuma vez, o que já foi muito bom. Aproveitava as paragens para fotografar sempre que podia e tentar congelar ao máximo aquela paisagem estonteante na minha memória, sempre com sol e sem qualquer vento.
A chegada à Casa da Montanha aconteceu às 15h10, com as pernas cansadas, o joelho heroico e a alma a transbordar de felicidade.
No total, foram cerca de 9h30 na montanha, horas que nem parecem ter passado, tal foi a emoção com que foram vividas.
Cumpri um sonho, que me deixa orgulhoso, mas também me faz querer mais. Querer repetir aquela sensação de superação, a sensação indescritível que é ver algo inimaginavelmente belo. Estou certo de que não foi um adeus, mas um "até um dia".
Agradeço à montanha, por nos ter permitido fazer esta aventura épica com um tempo maravilhoso, à minha irmã, por me ter acompanhado e ajudado a realizá-la, e à minha mais-que-tudo, que me apoiou e me incentivou mesmo depois de não o termos conseguido juntos.
Realizado dia 28 de setembro, 2018
Dificuldade [★★★★★]
Beleza cénica [★★★★★]
Satisfação final [★★★★★]
Tudo isso mudou há uns anos devido a dois fatores: o facto de a minha irmã ter vindo viver para os Açores, que me aproximou de uma região até então desconhecida, e a descoberta do geocaching, que hoje faz parte do meu modo de vida.
Com estes dois elementos em cena, começou a formar-se na minha mente a remota possibilidade de um dia vir a concretizar este sonho etéreo.
Com o passar dos anos, e com o aumento exponencial da minha paixão pela caminhada e pela montanha, a imagem do Pico começou a formar-se mais nitidamente no meu horizonte, até que no dia em que subi ao pico da Vara com a minha irmã, decidi que chegara a hora de deixar as palavras e passar aos atos, estabelecendo uma meta concreta para a subida ao ponto mais alto de Portugal. Felizmente que Timor Leste, Angola e Moçambique já não são territórios nossos, caso contrário teria certamente de aguardar mais uns anos para poder dizer o mesmo.
O ano passado, depois de um período difícil com a mais-que-tudo, decidi que seria uma boa oportunidade para tentar a subida ao Pico e pernoitar na cratera, como uma forma de comemorar a vitória de uma batalha na vida com uma outra vitória, esta mais simbólica.
Infelizmente, e apesar de a montanha ter colaborado com o tempo, não foi possível concretizar esse objetivo e tivemos de desistir a meio. Mas para mim foi apenas um "até já", pois já me tinha decidido e fá-lo-ia por nós dois.
Desta vez, na companhia da minha irmã, que também nunca subira lá acima, planeámos as coisas e marcámos três dias inteiros para tentar a subida.
Este seria o primeiro, e quis o destino que fosse precisamente hoje que faríamos a ascensão.
Acordámos às 4h30 e vimos que o tempo estava bom, como indicara a previsão no dia anterior.
O ano passado, por esta altura, sentia um friozinho na barriga, mas este ano nem tanto. Como já tinha estado na montanha, o lugar do nervosismo foi ocupado por uma grande serenidade e uma confiança inabalável de que seria hoje.
Às 5h20, chegámos à Casa da Montanha. Não havia nenhum carro cá fora, não havia luzes, não havia ninguém.
Fiquei confuso. Será que nos tinha escapado alguma coisa? Fomos bater à porta e foi aí que vi uma luzinha lá dentro. Afinal, a porta estava aberta, mas ainda não tinha chegado ninguém hoje para subir e parece que o rapaz passou pelas brasas.
Mais aliviados, preparámos as coisas e fomos fazer a inscrição. Às 5h45, já com a lanterna na cabeça, o material de segurança e o equipamento confirmados, iniciámos a epopeia, com a montanha toda para nós.
O trajeto até ao marco 2 fez-se em ritmo acelerado. A adrenalina era muita e perde-se um pouco a noção das dificuldades e da distância, ainda por cima de noite. Além disso, a mente ainda está muito focada e com atenção a tudo, o que relativiza ainda mais o tempo. A partir do marco 2, ainda faltava uma hora para o nascer do Sol, mas o céu já tinha um pouco de luz, a juntar à da Lua, que estava bem acima de nós. Além destas luzes, viam-se as da Madalena ao fundo, as da Horta no Faial e as de São Mateus e São Caetano à direita. Com o esforço inicial, nem se tem muito bem a noção do que nos envolve, mas a pouco a pouco, começamo-nos a aperceber da paisagem, do gigantismo que se desenha à nossa frente e das pernas que já andam e trepam quase por elas próprias.
Íamo-nos aproximando do topo, até que chegámos ao marco 26, onde eu havia voltado para trás o ano passado. A partir daí, era terreno desconhecido. Mas nem tanto, porque a marca desta montanha tinha ficado bem vincada em mim, e foi como se não tivesse havido hiato entre estes dois momentos.
A mana vinha a subir bem, mas embora quisesse deixá-la passar a sua própria experiência, estava sempre de olho, tentando ajudar sempre que a via com maiores problemas.
Quando o Sol nasceu, estávamos no último terço do trilho, mas víamos apenas a sombra imensa da montanha sobre o Faial e o mar, com uma paisagem incrível onde se via um manto de nuvens que chocava contra o Cabeço Gordo e se elevava como um rio se eleva sobre um rochedo.
Com a parte mais difícil para trás, entre os marcos 26 e 36, chegámos a uma parte mais fácil que contorna a parte lateral da montanha, até conseguirmos ver a parte leste da ilha, com vista para as Lajes e a Ponta da Ilha, já com o astro rei acima do horizonte e uma luz a que nenhuma fotografia poderá fazer jus.
Vi o Piquinho pela primeira vez às 9h30.
Ao longo destes anos, não me esforcei muito para ver fotos e vídeos do topo do Pico. Queria guardar alguma surpresa para quando ali chegasse, sem ver esta paisagem assombrosa pelos olhos de outros.
Foi com um misto de solenidade e de espanto que cheguei à cratera, vendo efectivamente aquele cenário pela primeira vez, com aquelas paredes enormes e o Piquinho, imponente, de aspeto autoritário, como que a dizer "Ainda te falta venceres estes 70 metros."
Confesso que não sei explicar muito bem a sensação de estar ali, sem nuvens, a contemplar toda aquela paisagem.
Pode-se dizer que é realmente uma experiência espiritual, de tão transcendental, que nos assola todos os sentidos. Chegar ali, aos 40 anos de idade, faz-nos pensar que vale a pena subir montanhas para vermos as coisas com outras perspectivas, com outro olhar e crescer com isso.
Pouco depois, chegou a mana. Ficámos ali um pouco em silêncio, pois ainda éramos os únicos na cratera, tirámos algumas fotos e descemos até ao último marco, o 46, já no início da subida para o Piquinho. Fizemos um pequeno lanche e avançámos até ao topo de Portugal. Os últimos metros intimidam um pouco à primeira vista, pois a subida é realmente mais íngreme que todo o trajeto até ali, mas não é nada de impeditivo para quem ainda tem força nas pernas e nos joelhos (e não tem medo de alturas).
Pé aqui, mão acolá, puxa daqui, estica dali, a ajudar a mana sempre que precisava, e chegámos ao topo, 2351 metros de pura felicidade e realização.
Eram 10h15. A sensação que se tem quando se chega ali multiplica-se e as palavras tornam-se escassas e infacundas para descrever o que se sente naquele momento. A mana chegou pouco depois, com as pernas a tremer devido às vertigens, mas isso não a demoveu, e chegou ao marco, vitoriosa.
O vento uivava forte, o nevoeiro fez as suas primeiras aparições, mas logo se dissipou.
Muitas fotografias depois, lembrei-me que havia uma cache para encontrar. Desci do pico, contornei uma furna quentinha e com um ligeiro odor a enxofre e, com a dica em mente, não tardei a dar com o contentor. Uma cache GC6, já com mais de 14 anos, nomeada aos Prémios GPS e no Top 500 de favoritos em Portugal. Não haverá certamente muitas como esta.
Fotos e mais fotos, decidimos descer. Foi aí que chegaram as primeiras pessoas à cratera. Quando chegaram ao cimo do Piquinho, deixámos o lugar e descemos calmamente, até à orla.
A descida, fi-la sempre com dores no joelho esquerdo, mas, felizmente, o direito aguentou-se e consegui descer sem cair nenhuma vez, o que já foi muito bom. Aproveitava as paragens para fotografar sempre que podia e tentar congelar ao máximo aquela paisagem estonteante na minha memória, sempre com sol e sem qualquer vento.
A chegada à Casa da Montanha aconteceu às 15h10, com as pernas cansadas, o joelho heroico e a alma a transbordar de felicidade.
No total, foram cerca de 9h30 na montanha, horas que nem parecem ter passado, tal foi a emoção com que foram vividas.
Cumpri um sonho, que me deixa orgulhoso, mas também me faz querer mais. Querer repetir aquela sensação de superação, a sensação indescritível que é ver algo inimaginavelmente belo. Estou certo de que não foi um adeus, mas um "até um dia".
Agradeço à montanha, por nos ter permitido fazer esta aventura épica com um tempo maravilhoso, à minha irmã, por me ter acompanhado e ajudado a realizá-la, e à minha mais-que-tudo, que me apoiou e me incentivou mesmo depois de não o termos conseguido juntos.
Realizado dia 28 de setembro, 2018
Dificuldade [★★★★★]
Beleza cénica [★★★★★]
Satisfação final [★★★★★]
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