Rota Vicentina - 3ª Etapa (Almograve - Zambujeira do Mar)
near Almograve, Beja (Portugal)
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Itinerary description
Saímos não tão cedo como gostaríamos porque o pequeno almoço incluído no preço da pernoita nos fez aguardar a hora mínima de o poder tomar. Vá lá, vamos de barriguinha consolada. Cinquenta metros andados mercamos o pão que haveria de acompanhar, ao almoço, as pataniscas sobradas do jantar que, de tão boas, não se podiam estragar e levamos também alguma fruta.
Como é meu costume ponho-me a pensar no lugar que vou abandonar. Almograve é um topónimo curioso. Diz-se que é uma variante de almogávar que deriva de "al-mugáwir" e que significa "o que faz incursões". Sei que o corso magrevino, que assolou estas costas depois da reconquista, fez com que aparecesse outro tipo de "piratas": os guerrilheiros, conhecidos por almogávares, que faziam da rapina modo de vida e que, corajosamente, acometiam contra os mouros do Magrebe cujos navios fustigavam os povoados costeiros. Algum se terá por aqui fixado?...
Pouco andámos e meditámos e já estamos frente à Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Um templo singelo como singela é a povoação. Pintado de branco e azul, perto da escola e do que parece ser um mercadinho. À frente há um belo recanto ajardinado com um muro e uns sanitários de curiosa arquitetura de influência árabe que tem um poço recuperado ao lado.
Continuamos pela rua dos Moinhos que nos leva até à entrada da ETAR. Um carreirinho à esquerda tem a sinalética do "Trilho dos Pescadores" e é por aí que seguimos junto a uma ribeira de água lamacenta pela chuva que caiu durante a noite. A ribeira vai desaguar na Foz dos Ouriços e nós aí 'desaguamos' também.
O carreiro que subimos agora é íngreme e leva-nos ao cimo da falésia. Os sargaços de albas flores, os halimium lasianthum cor de sol, o rosmaninho roxo e o tojo gatunho embelezam este belo jardim literalmente à beira mar plantado. Assim a subida nem custa tanto. Marejando o olhar pelo requebro das falésias chegamos à Praia de Nossa Senhora. Na estrada nova, larga e em terra batida, que nos há-de levar até ao pontão da Praia da Barca Grande, há uma pista de manutenção. Claro que a mochila não me permite que faça os exercícios sugeridos e tirá-la a cada estação está fora de causa. Ralado e amuado passo a olhar para o "deserto" que se estende à minha esquerda. São dunas de areia nua, com tons ocre, pontilhada de tufos de teimosa vegetação, tão diferentes da profusão vegetativa que nos tem acompanhado. Chegamos ao pontão que antecede o Porto de Pesca da Lapa da Pombas. O letreiro de informação diz coisas interessantíssimas sobre o modo como os pescadores estão familiarizados com o "caminho das pedras" que os orienta na entrada do porto mas também diz que a presença humana por ali é tão antiga que antecede a própria humanidade. Pois, provavelmente eu é que não sei o que são «povos pré-humanos».
Já caminhamos de novo em carreiro de areia sobre as dunas da falésia. Esta areia é tão vermelha que temos dúvida se não estamos caminhando em Marte, mas os muitos tons de azul do mar à nossa direita e estas rochas de tal beleza, dizem-nos seguramente que temos a sorte de estar no mais belo país do mundo. A geodiversidade que vamos apreciando diz-se que teve origem no Paleozóico, no Mesozóico e no Cenozóico e que estas falésias são da idade em que o mundo se partiu e formou o Atlântico. Imagino os meus dedos polegares apoiados no pão puxando para cada lado uma metade, talvez tenha sido assim. Mastigo devagarinho esta metade com os olhos e encho o espírito de beleza.
ATENÇÃO - A nossa fome da beleza destas falésias levou-nos a desviarmo-nos algumas vezes do caminho assinalado. Nunca o fizemos que não fosse por trilhos existentes e bem definidos; procurámos respeitar ao máximo a natureza e nunca a prejudicar; Calculámos sempre os perigos subjacentes a esta nossa rebeldia e não fomos além do que se pode considerar racional. Decerto que vimos coisas que não teríamos vistos seguindo o caminho marcado. Achamos que valeu a pena. Esta etapa é de uma beleza excecional e nós procurámos usufruir ao máximo. Felizmente o tempo também ajudou.
Postas as considerações, continuemos...
Desviamo-nos agora para o interior seguindo o trilho marcado, que se afasta um pouco da costa, com a desculpa de que poderíamos cansar-nos de estar sempre a olhar para o mar e os precipícios da costa, mas a verdade foi porque a imagem de GPS não nos dava garantia de haver caminho junto à falésia. Em boa hora o fizemos pois entrámos num belo e agradável caminho de pinhal. Caminhamos agora sobre um tapete de caruma. Tornámo-nos mais leves porque os pés já memorizaram o "peso" da areia. Ainda que agradável foi curto o tapete. De novo arrastando areia aproximamo-nos da falésia. Absorvendo a beleza do mar e destes precipícios passamos a praia da Laginha e chegamos à do Cavaleiro. Aqui o caminho deixa descansar as arribas e entra em rota rural até ao Cavaleiro. Paragem obrigatória: o café da Adélia. Bebemos e comemos e voltámos ao caminho meia hora depois. Fazemos um pequeno troço de asfalto para, de seguida, voltar aos carreiros e às falésias a caminho do Cabo Sardão. O topónimo desperta o viciado cogitador que há em mim e venho a recordar que um dia li qualquer coisa sobre um cabo de apelido Sardão que, tendo na guerra ensandecido, passeava à noite sobre estas falésias, cantando para a lua, até que uma noite caiu ao mar. O povo que lhe queria bem, em sua memória, ao promontório deu o nome de Cabo Sardão. Olhando distraído ia, mas rapidamente fui despertado pelo voo da cegonha que perto passou e foi pousar no ninho sobre o espinhaçado rochedo, ali bem à minha frente. Será, cegonha, que é em memória do mal afortunado cabo que aqui fazes o ninho?...
Continuando pelos recortes da costa vamos sonhando, azul embalados hoje pelo murmúrio do mar que vai musicando rochedos para nos encantar. Enquanto o mar musica vão as flores pintando nosso caminho e os arbustos inebriando-nos com seu cheiro. Com tanta beleza assim, decerto estamos no paraíso.
A seguir à praia da Lavagueira os sinais do caminho abrem-nos uma pista reta ladeada de mimosas. Desembocamos na praia do Tonel de areia fina e convidativa lá em baixo. Outras cegonhas, outros ninhos, outros espinhaços, outras falésias, mais azul, mais verde e eis-nos a chegar ao porto da Entrada da Barca. Damos uma voltinha desnecessária por desconhecimento do precipício que tínhamos à nossa frente e acabamos seguindo obedientemente o caminho para descermos por uma escada de madeira que nos leva lá abaixo. Subimos ao Porto das Barcas e já não paramos no Sacas nem no Traquitanas. Que pena!... fica prá próxima. Fazemos a pista ciclável entre mais mimosas (o país está cheio delas) e a seguir à Praia da Bica entramos num passadiço de madeira que nos leva de novo às falésias.
É mais um bocado do azul do Oceano para atestar a alma e entramos na Zambujeira do Mar. Demoramos um pouco no largo da Igreja de Nossa Senhora do Mar e um quilómetro e pouco depois estamos numa casinha para 4 no Camping Villa Park da Zambujeira.
Excecionalmente recebidos e muito agradados com as instalações foi assim que terminou esta jornada.
Como é meu costume ponho-me a pensar no lugar que vou abandonar. Almograve é um topónimo curioso. Diz-se que é uma variante de almogávar que deriva de "al-mugáwir" e que significa "o que faz incursões". Sei que o corso magrevino, que assolou estas costas depois da reconquista, fez com que aparecesse outro tipo de "piratas": os guerrilheiros, conhecidos por almogávares, que faziam da rapina modo de vida e que, corajosamente, acometiam contra os mouros do Magrebe cujos navios fustigavam os povoados costeiros. Algum se terá por aqui fixado?...
Pouco andámos e meditámos e já estamos frente à Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Um templo singelo como singela é a povoação. Pintado de branco e azul, perto da escola e do que parece ser um mercadinho. À frente há um belo recanto ajardinado com um muro e uns sanitários de curiosa arquitetura de influência árabe que tem um poço recuperado ao lado.
Continuamos pela rua dos Moinhos que nos leva até à entrada da ETAR. Um carreirinho à esquerda tem a sinalética do "Trilho dos Pescadores" e é por aí que seguimos junto a uma ribeira de água lamacenta pela chuva que caiu durante a noite. A ribeira vai desaguar na Foz dos Ouriços e nós aí 'desaguamos' também.
O carreiro que subimos agora é íngreme e leva-nos ao cimo da falésia. Os sargaços de albas flores, os halimium lasianthum cor de sol, o rosmaninho roxo e o tojo gatunho embelezam este belo jardim literalmente à beira mar plantado. Assim a subida nem custa tanto. Marejando o olhar pelo requebro das falésias chegamos à Praia de Nossa Senhora. Na estrada nova, larga e em terra batida, que nos há-de levar até ao pontão da Praia da Barca Grande, há uma pista de manutenção. Claro que a mochila não me permite que faça os exercícios sugeridos e tirá-la a cada estação está fora de causa. Ralado e amuado passo a olhar para o "deserto" que se estende à minha esquerda. São dunas de areia nua, com tons ocre, pontilhada de tufos de teimosa vegetação, tão diferentes da profusão vegetativa que nos tem acompanhado. Chegamos ao pontão que antecede o Porto de Pesca da Lapa da Pombas. O letreiro de informação diz coisas interessantíssimas sobre o modo como os pescadores estão familiarizados com o "caminho das pedras" que os orienta na entrada do porto mas também diz que a presença humana por ali é tão antiga que antecede a própria humanidade. Pois, provavelmente eu é que não sei o que são «povos pré-humanos».
Já caminhamos de novo em carreiro de areia sobre as dunas da falésia. Esta areia é tão vermelha que temos dúvida se não estamos caminhando em Marte, mas os muitos tons de azul do mar à nossa direita e estas rochas de tal beleza, dizem-nos seguramente que temos a sorte de estar no mais belo país do mundo. A geodiversidade que vamos apreciando diz-se que teve origem no Paleozóico, no Mesozóico e no Cenozóico e que estas falésias são da idade em que o mundo se partiu e formou o Atlântico. Imagino os meus dedos polegares apoiados no pão puxando para cada lado uma metade, talvez tenha sido assim. Mastigo devagarinho esta metade com os olhos e encho o espírito de beleza.
ATENÇÃO - A nossa fome da beleza destas falésias levou-nos a desviarmo-nos algumas vezes do caminho assinalado. Nunca o fizemos que não fosse por trilhos existentes e bem definidos; procurámos respeitar ao máximo a natureza e nunca a prejudicar; Calculámos sempre os perigos subjacentes a esta nossa rebeldia e não fomos além do que se pode considerar racional. Decerto que vimos coisas que não teríamos vistos seguindo o caminho marcado. Achamos que valeu a pena. Esta etapa é de uma beleza excecional e nós procurámos usufruir ao máximo. Felizmente o tempo também ajudou.
Postas as considerações, continuemos...
Desviamo-nos agora para o interior seguindo o trilho marcado, que se afasta um pouco da costa, com a desculpa de que poderíamos cansar-nos de estar sempre a olhar para o mar e os precipícios da costa, mas a verdade foi porque a imagem de GPS não nos dava garantia de haver caminho junto à falésia. Em boa hora o fizemos pois entrámos num belo e agradável caminho de pinhal. Caminhamos agora sobre um tapete de caruma. Tornámo-nos mais leves porque os pés já memorizaram o "peso" da areia. Ainda que agradável foi curto o tapete. De novo arrastando areia aproximamo-nos da falésia. Absorvendo a beleza do mar e destes precipícios passamos a praia da Laginha e chegamos à do Cavaleiro. Aqui o caminho deixa descansar as arribas e entra em rota rural até ao Cavaleiro. Paragem obrigatória: o café da Adélia. Bebemos e comemos e voltámos ao caminho meia hora depois. Fazemos um pequeno troço de asfalto para, de seguida, voltar aos carreiros e às falésias a caminho do Cabo Sardão. O topónimo desperta o viciado cogitador que há em mim e venho a recordar que um dia li qualquer coisa sobre um cabo de apelido Sardão que, tendo na guerra ensandecido, passeava à noite sobre estas falésias, cantando para a lua, até que uma noite caiu ao mar. O povo que lhe queria bem, em sua memória, ao promontório deu o nome de Cabo Sardão. Olhando distraído ia, mas rapidamente fui despertado pelo voo da cegonha que perto passou e foi pousar no ninho sobre o espinhaçado rochedo, ali bem à minha frente. Será, cegonha, que é em memória do mal afortunado cabo que aqui fazes o ninho?...
Continuando pelos recortes da costa vamos sonhando, azul embalados hoje pelo murmúrio do mar que vai musicando rochedos para nos encantar. Enquanto o mar musica vão as flores pintando nosso caminho e os arbustos inebriando-nos com seu cheiro. Com tanta beleza assim, decerto estamos no paraíso.
A seguir à praia da Lavagueira os sinais do caminho abrem-nos uma pista reta ladeada de mimosas. Desembocamos na praia do Tonel de areia fina e convidativa lá em baixo. Outras cegonhas, outros ninhos, outros espinhaços, outras falésias, mais azul, mais verde e eis-nos a chegar ao porto da Entrada da Barca. Damos uma voltinha desnecessária por desconhecimento do precipício que tínhamos à nossa frente e acabamos seguindo obedientemente o caminho para descermos por uma escada de madeira que nos leva lá abaixo. Subimos ao Porto das Barcas e já não paramos no Sacas nem no Traquitanas. Que pena!... fica prá próxima. Fazemos a pista ciclável entre mais mimosas (o país está cheio delas) e a seguir à Praia da Bica entramos num passadiço de madeira que nos leva de novo às falésias.
É mais um bocado do azul do Oceano para atestar a alma e entramos na Zambujeira do Mar. Demoramos um pouco no largo da Igreja de Nossa Senhora do Mar e um quilómetro e pouco depois estamos numa casinha para 4 no Camping Villa Park da Zambujeira.
Excecionalmente recebidos e muito agradados com as instalações foi assim que terminou esta jornada.
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