Passeio pelo Vale do Lizandro
near Mafra, Lisboa (Portugal)
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Itinerary description
Há muito que era meu desejo fazer uma caminhada pelos trilhos do Lizandro até à sua foz.
Hoje, a convite de amigos, surgiu a oportunidade. Bom,... não foi bem uma caminhada, foi antes um "passeio" numa tarde pachorrenta de fim de verão.
Levámos os carros para o parque de estacionamento na zona norte da praia de S. Julião e chamámos dois táxis que, quase uma hora depois, nos levaram a Mafra.
Quase quatro da tarde seriam quando iniciámos este belo passeio partindo do largo fronteiriço ao extraordinário monumento, custeado por El Rei D. João V que, esperançado que tal empreendimento lhe trouxesse, por graça de Deus, a tão desejada descendência real (lícita) por fertilidade da sua consorte, D. Ana Maria de Áustria, abriu os cordões à bem recheada bolsa que o ouro do Brasil fazia transbordar. Os pormenores ficcionais desta tão significativa obra, que começam com a visita do rei à alcova da rainha, conta-no-los Saramago na sua obra prima. Outros pormenores sapienciais foram-nos transmitidos pelo nosso guia, impressionado por um carrilhão de seis oitavas, que teria sido o maior do mundo à época, e não muito além disso se aventurou transmitir a uma plateia recheada de grandes e fartos conhecedores de tais pormenores. Fiquei eu a perder que continuei na, pouco abonatória diga-se, ignorância das caraterísticas deste grandioso monumento.
Vamos lá que se faz tarde e muito atrasados, à custa do táxis e não só, já nós estamos.
A Praça da República defronte ao monumento ficou para trás bem rapidamente, a rua Serpa Pinto, antiga Calçada das Reais Obras, também e de caminhada ter-se-ia apanhado o ritmo não fora as cobiçosas amoras que enfeitavam as silvas logo à entrada do "Trilho do Senhor Heitor" terem atraído a atenção de um número significativo dos caminhantes. É que nem o palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, onde pernoitaria El Rei, quando de visita às Reais Obras, nem a Igreja de Santo André, que, por acaso, é não só o templo mais antigo da freguesia como terá também sido sede paroquial de que Pedro Hispano (Papa João XXI), o único Papa português, foi pároco e que, também por acaso, apresenta um portal gótico interessantíssimo supostamente do século XIII ou XIV, talvez por serem demasiado conhecidos, tanta atenção atraíram. De facto, havendo amoras que coisas mais interessam?...
O Senhor Heitor, cuja quinta que se estende pelo vale e apresenta ainda um velho e condenado portal com o nome em azulejo pintado à mão, emprestou, sem que lho pedissem, seu nome a um bonito trilho que desce vale abaixo por entre silvados e reboredos até bem perto da capela de Nossa Senhora do Arquiteto. Esta singela capela, reza a lenda, foi construída por um arquiteto, amante da pescaria, que, vendo-se em apuros no meio das altas vagas (imagine-se, o mar da Ericeira com vagas grandes?...) com extrema fé, à Senhora do Socorro recorreu, prometendo que seu santo nome haveria de venerar enquanto vivesse e mandaria construir duas capelas, uma no mais alto ponto da freguesia, que a todos lembrasse que o "Socorro" só da muita fé se obtém, e outro no ponto mais baixo da mesma, em sítio que nem chaminé se visse, para que, resguardado do mundo, pudesse venerar a Senhora que o socorreu, na paz e silêncio que só a natureza, deserta de gentes, propícia.
Ainda só eram andados pouco mais de três quilómetros e porque a muitas amoras peniscadas não aconchegaram suficientemente a barriga dos passeantes, houve que proceder a uma paragem técnica para saciar a fome e libertar o que, estando dentro, só peza e bem não faz. Vinte minutos passados e eis-nos num bonito caminho que, por encostado à ribeira, nos trás o cantar da água e ouvir-se-ia também o chilreio dos pássaros não fora o cacarejar ruidoso de outras aves pernaltas. Continuemos...alto lá que toda a gente parou e, por vir atrás não estava a compreender a razão de tanta gargalhada. Chegado, confrontei-me com a travessia da ribeira que tinha que ser feita sobre as pedras semeadas no leito. Claro, as gargalhadas tinham por razão o escorreganço de alguém menos habilidoso, ou mais afoito e menos previdente, que fora com as botas, e não só, à água. Mais duas travessias e peripécias a quadruplicar: desde travessias às cavalitas, chapinhanços que nem crianças da pré, pés descalços e calças molhadas, de tudo um pouco houve.
Entramos finalmente no vale do Lizandro e, numa bem cuidada horta, teve pouca sorte a hortelã que foi cravada por dois ou três que menos vergonha tinham. Assim, desde uma mochilada de belos tomates, onde nem os coração-de-boi faltaram, até uma melancia, passando pelos belos alhos-pôrro e a abóbora-manteiga, de quase todos os produtos da horta a senhora ofertou um pouco, isto é: um muito. Se alguém ler isto, encontrar a generosa senhora hortelã e tiver a mesma ideia, peço que seja um pouco menos desavergonhado porque senão a senhora vai à falência, é que a horta é o seu ganha-pão!...
À frente, junto da Capela da Nossa Senhora do Ó, aliviámos as mochilas comendo a bucha que tinha sobrado da paragem na anterior capela. Mais meia hora de paragem e lá fomos passeando pela Rua da Fonte até à ETAR e depois por um trilho na encosta que mostrava algumas das características cársicas deste vale onde o Lizandro se deita, numa quase tão lenta marcha quanto a nossa, deslizando suavemente até à foz.
Chegados à N247, atravessámos a ponte sobre o rio e continuámos à direita pela Rua das Amoreiras até apanharmos o belo trilho da arriba sobre a Foz do Lizandro. A beleza deste trilho, onde era suposto chegarmos ao Sol pôr, ficou com um encanto noturno indiscritível que seria diferente, quiçá menos belo ou de beleza diferente, não fora a tentação das amoras, os chapinhanços na ribeira e a solicitude de uma hortelã que tudo quis oferecer.
Passeio inolvidável que recomendo para ser feito com um grupo de gente animada, bem disposta e muito…muito… muito paciente.
Hoje, a convite de amigos, surgiu a oportunidade. Bom,... não foi bem uma caminhada, foi antes um "passeio" numa tarde pachorrenta de fim de verão.
Levámos os carros para o parque de estacionamento na zona norte da praia de S. Julião e chamámos dois táxis que, quase uma hora depois, nos levaram a Mafra.
Quase quatro da tarde seriam quando iniciámos este belo passeio partindo do largo fronteiriço ao extraordinário monumento, custeado por El Rei D. João V que, esperançado que tal empreendimento lhe trouxesse, por graça de Deus, a tão desejada descendência real (lícita) por fertilidade da sua consorte, D. Ana Maria de Áustria, abriu os cordões à bem recheada bolsa que o ouro do Brasil fazia transbordar. Os pormenores ficcionais desta tão significativa obra, que começam com a visita do rei à alcova da rainha, conta-no-los Saramago na sua obra prima. Outros pormenores sapienciais foram-nos transmitidos pelo nosso guia, impressionado por um carrilhão de seis oitavas, que teria sido o maior do mundo à época, e não muito além disso se aventurou transmitir a uma plateia recheada de grandes e fartos conhecedores de tais pormenores. Fiquei eu a perder que continuei na, pouco abonatória diga-se, ignorância das caraterísticas deste grandioso monumento.
Vamos lá que se faz tarde e muito atrasados, à custa do táxis e não só, já nós estamos.
A Praça da República defronte ao monumento ficou para trás bem rapidamente, a rua Serpa Pinto, antiga Calçada das Reais Obras, também e de caminhada ter-se-ia apanhado o ritmo não fora as cobiçosas amoras que enfeitavam as silvas logo à entrada do "Trilho do Senhor Heitor" terem atraído a atenção de um número significativo dos caminhantes. É que nem o palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, onde pernoitaria El Rei, quando de visita às Reais Obras, nem a Igreja de Santo André, que, por acaso, é não só o templo mais antigo da freguesia como terá também sido sede paroquial de que Pedro Hispano (Papa João XXI), o único Papa português, foi pároco e que, também por acaso, apresenta um portal gótico interessantíssimo supostamente do século XIII ou XIV, talvez por serem demasiado conhecidos, tanta atenção atraíram. De facto, havendo amoras que coisas mais interessam?...
O Senhor Heitor, cuja quinta que se estende pelo vale e apresenta ainda um velho e condenado portal com o nome em azulejo pintado à mão, emprestou, sem que lho pedissem, seu nome a um bonito trilho que desce vale abaixo por entre silvados e reboredos até bem perto da capela de Nossa Senhora do Arquiteto. Esta singela capela, reza a lenda, foi construída por um arquiteto, amante da pescaria, que, vendo-se em apuros no meio das altas vagas (imagine-se, o mar da Ericeira com vagas grandes?...) com extrema fé, à Senhora do Socorro recorreu, prometendo que seu santo nome haveria de venerar enquanto vivesse e mandaria construir duas capelas, uma no mais alto ponto da freguesia, que a todos lembrasse que o "Socorro" só da muita fé se obtém, e outro no ponto mais baixo da mesma, em sítio que nem chaminé se visse, para que, resguardado do mundo, pudesse venerar a Senhora que o socorreu, na paz e silêncio que só a natureza, deserta de gentes, propícia.
Ainda só eram andados pouco mais de três quilómetros e porque a muitas amoras peniscadas não aconchegaram suficientemente a barriga dos passeantes, houve que proceder a uma paragem técnica para saciar a fome e libertar o que, estando dentro, só peza e bem não faz. Vinte minutos passados e eis-nos num bonito caminho que, por encostado à ribeira, nos trás o cantar da água e ouvir-se-ia também o chilreio dos pássaros não fora o cacarejar ruidoso de outras aves pernaltas. Continuemos...alto lá que toda a gente parou e, por vir atrás não estava a compreender a razão de tanta gargalhada. Chegado, confrontei-me com a travessia da ribeira que tinha que ser feita sobre as pedras semeadas no leito. Claro, as gargalhadas tinham por razão o escorreganço de alguém menos habilidoso, ou mais afoito e menos previdente, que fora com as botas, e não só, à água. Mais duas travessias e peripécias a quadruplicar: desde travessias às cavalitas, chapinhanços que nem crianças da pré, pés descalços e calças molhadas, de tudo um pouco houve.
Entramos finalmente no vale do Lizandro e, numa bem cuidada horta, teve pouca sorte a hortelã que foi cravada por dois ou três que menos vergonha tinham. Assim, desde uma mochilada de belos tomates, onde nem os coração-de-boi faltaram, até uma melancia, passando pelos belos alhos-pôrro e a abóbora-manteiga, de quase todos os produtos da horta a senhora ofertou um pouco, isto é: um muito. Se alguém ler isto, encontrar a generosa senhora hortelã e tiver a mesma ideia, peço que seja um pouco menos desavergonhado porque senão a senhora vai à falência, é que a horta é o seu ganha-pão!...
À frente, junto da Capela da Nossa Senhora do Ó, aliviámos as mochilas comendo a bucha que tinha sobrado da paragem na anterior capela. Mais meia hora de paragem e lá fomos passeando pela Rua da Fonte até à ETAR e depois por um trilho na encosta que mostrava algumas das características cársicas deste vale onde o Lizandro se deita, numa quase tão lenta marcha quanto a nossa, deslizando suavemente até à foz.
Chegados à N247, atravessámos a ponte sobre o rio e continuámos à direita pela Rua das Amoreiras até apanharmos o belo trilho da arriba sobre a Foz do Lizandro. A beleza deste trilho, onde era suposto chegarmos ao Sol pôr, ficou com um encanto noturno indiscritível que seria diferente, quiçá menos belo ou de beleza diferente, não fora a tentação das amoras, os chapinhanços na ribeira e a solicitude de uma hortelã que tudo quis oferecer.
Passeio inolvidável que recomendo para ser feito com um grupo de gente animada, bem disposta e muito…muito… muito paciente.
Waypoints
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709 ft
Talvez um monumento importante ... ou não.
Como fui incumbido de cerra-filas falhou-me a explicação do guia
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117 ft
Gostava de saber como se chama esta planta
O fruto é parecido com o da Figueira do Inferno (datura Stramonium) mas as folhas são muito diferentes e a flor não a vi porque já só tinham fruto.
Comments (6)
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Como habitual, uma descrição de excelência, amigo Joaquim! Um abraço
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Scenery
Moderate
Não desfralda a expectativa..muito bom
Bem haja pelo comentário e avaliação. Boas caminhadas!
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Scenery
Moderate
Extremely nice walk, highly recommendable. After Mafra, it hardly touches any settlements, leads through remote valleys, super!
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Moderate
A wonderful trail that is mostly immersed in nature and agriculture, through trees and open ground, ending at the amazing Atlantic coast. Well worth doing, with lunch stop at Praia do Foz de Lizandro.
Really enjoyed this walk!
Thanks, sluning and milesleggett, for yours kind comments.