Na Rota dos Frades
near Minde, Santarém (Portugal)
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Itinerary description
No penúltimo dia do mês de maio de 1834 o Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Joaquim António de Aguiar, fazia promulgar a célebre lei, de 28 de maio, que declarava "extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares". Por tal e não só, este senhor tomou a alcunha de "o mata frades".
Por consequência dessa lei (e, mais uma vez, não só) foi frei José da Conceição acusado de ter escondido os valores do Convento do Varatojo de Torres Vedras, de onde era frade egresso. Perseguido pela justiça liberal, encontra refúgio na Serra de Santo António, conjuntamente com frei Manuel da Conceição. Letrados como eram decidem que os jovens serranos eram tão merecedores da literacia quanto o eram os citadinos e palacianos alfacinhas. Frei Manuel não só o pensou como, passando à ação, criou uma escola secundária no povoado que o acolheu e furtou à, possivelmente, injusta e feroz justiça do Mata Frades.
Recordando, com possível gratidão, os frades e a sua escola, Alcanena decide dar ao seu PR5 o nome de "Rota dos Frades".
Ora bem, foi precisamente esta a rota que tomámos esta manhã como nossa, para nela revivermos as passadas, a pé, de burro ou cavalo que os santos homens, deambulando nas suas meditações ou procurando levar a paz divina, de povoado em povoado por estas agreste serras, iam dando.
A Costa de Minde, exibindo toda a sua exuberante beleza, mostra-nos a sul a vila que lhe deu nome, a norte o imenso poldje, coroado pela vila de Mira D'Aire, a nascente a bela Serra D'Aire e a poente o planalto de Santo António por muros dividido e de oliveiras salpicado.
Seguimos pelo sinalizado percurso ao longo da "costa", subindo a Cabeça Gorda, direitinho à Serra da Eira, apreciando com todos os sentidos, ora à esquerda ora à direita ora em frente, aquilo que a natureza nos oferecia e aquilo que pela mão do homem foi construído nos séculos passados com paciência e muita arte e que fazem destas serras um lugar singular. Falamos dos muros, dos chousos, dos marouços, das casinas e dos abrigos, tudo construído em pedra solta ou seca, como por aqui se chama.
Quisemos mostrar, a quem era novo nas andanças por estes sítios, a arte de construção da abóbada de uma casina, toda em pedra solta, feita num equilíbrio de forças e à força de muita paciência. Saltámos um muro com a condição de nada danificar. Tudo ficou como estava e pudémos apreciar assim a arte e engenho de quem criou estas exíguas estruturas. Que nos perdoem os proprietários por esta curta invasão mas foi por uma boa causa e em nada prejudicámos o que existia.
Um pouco à frente, na zona dos Crutos, atraídos pelo alcantilado dos penedos à nossa frente e sabendo que as "Ventas do Diabo" por ali se situam, saímos do trilho e aventurámo-nos por sítios perigosos procurando um acesso do lado sul às grandes grutas que, em outras aventuras, já acedêramos pelo norte e por nascente. A tentativa saiu frustrada e por falta de tempo não procurámos outro acesso.
Por um belo carreiro seguimos na direção das grutas de Santo António. Passámos junto ao velho e moribundo edifício que foi, em tempos, o restaurante "A Rosa". No chafariz já não corre água; no moinho as velas estão rasgadas; nas churrasqueiras já se não assa; nas imensas salas já se não almoça nem janta nem se conversa: tudo morreu, até os sonhos...
Passamos por detrás da pizzaria. Quem se lembraria de tal num ermo destes?...
Acolhe-nos o "Trilho do Pai Ramiro" que nos há de conduzir até perto da Lapa da Cerejeira. Ali chegados uma surpresa nos esperava: o caminho para a lapa estava vedado. Para a próxima vamos ter que pagar bilhete, não?...
Há certas coisas que se não podem vedar. A nossa cultura não pode ser aprisionada. Não deitámos a cancela abaixo por civismo. Abrimo-la e voltámos a fechá-la, deixando-a como a encontrámos. Em 2014 o grupo Noiserv deu um concerto noturno dentro desta gruta onde estiveram cerca de 80 pessoas (ainda que os bilhetes estivessem restringidos a 55). Agora querem vedar-nos uma simples visita?... tenho encontrado nesta serra caminhos que antes eram públicos agora vedados por muros, cancelas ou portões. Que se passa?...
Bem, deixemos a nossa indignação e continuemos.
Retomámos o trilho sinalizado do PR5 logo ali para o abandonarmos um pouco à frente por opção curiosa de conhecer novos caminhos. Andámos um par de quilómetros e eis-nos encarreirados novamente com a Rota dos Frades.
Entrámos no povoado e, logo ali, à nossa frente, um muro pleno de cerebróides (ou cerebelos). De facto parece que a natureza decidiu reproduzir na pedra os ovalados cérebros humanos dentro do calcário desta zona. Trata-se de nódulos chérticos siliciosos, aparentados com o silex, datados do Bajociano, Jurássico, a era dos dinossauros. Ainda permanece um pouco nebulenta a origem deste fenómeno da natureza.
Deixámos para trás o muro de cerebelos. Outros mais dispersos iríamos encontrar mais adiante. Ao passarmos na Rua do Seminário questionámo-nos se não teria sido por ali a tal Escola dos Frades. Não havendo ninguém a quem perguntar, seguimos caminho por estradas rurais que nos haviam de conduzir até ao Bajouco. A histórica labuta das gentes destas aldeias, onde passámos está bem patente nas construções que se vão encontrando. Os muros ladeando os caminhos, espalhados pelas propriedades e defenindo chousos, as eiras onde se secava o escasso cereal arrancado pela força à natureza, as casas, currais e palheiros construídos de pedra seca, dão-nos uma ideia tão precisa da coragem e tenacidade destas gentes.
Chegámos à Pia do Bajouco. Limpa por voluntários este ano, apresenta uma água límpida e transparente que reflete as cores do céu. Esta depressão natural, criada pelo mesmo processo dos lapiás, enche-se no inverno com as águas da chuva, as mesmas que lhe deram forma, e esvaziava-se no estio para dessedentar animais e hortas. Hoje é uma bela e histórica curiosidade que nos enche a vista e aguça a imaginação, função não menos importante do que a primeira. Conservêmo-la.
Por caminhos ladeados de muros, onde, do outro lado, em campos verdejantes salpicados de oliveiras e albos calcários, pastam ovelhas e vacas, fomos percorrendo este planalto com nome e áurea de santo. Talvez por isso, a última parte do nosso percurso foi feita por um troço santo do CamInho de Fátima, que por aqui "obriga" os peregrinos a passar.
Por consequência dessa lei (e, mais uma vez, não só) foi frei José da Conceição acusado de ter escondido os valores do Convento do Varatojo de Torres Vedras, de onde era frade egresso. Perseguido pela justiça liberal, encontra refúgio na Serra de Santo António, conjuntamente com frei Manuel da Conceição. Letrados como eram decidem que os jovens serranos eram tão merecedores da literacia quanto o eram os citadinos e palacianos alfacinhas. Frei Manuel não só o pensou como, passando à ação, criou uma escola secundária no povoado que o acolheu e furtou à, possivelmente, injusta e feroz justiça do Mata Frades.
Recordando, com possível gratidão, os frades e a sua escola, Alcanena decide dar ao seu PR5 o nome de "Rota dos Frades".
Ora bem, foi precisamente esta a rota que tomámos esta manhã como nossa, para nela revivermos as passadas, a pé, de burro ou cavalo que os santos homens, deambulando nas suas meditações ou procurando levar a paz divina, de povoado em povoado por estas agreste serras, iam dando.
A Costa de Minde, exibindo toda a sua exuberante beleza, mostra-nos a sul a vila que lhe deu nome, a norte o imenso poldje, coroado pela vila de Mira D'Aire, a nascente a bela Serra D'Aire e a poente o planalto de Santo António por muros dividido e de oliveiras salpicado.
Seguimos pelo sinalizado percurso ao longo da "costa", subindo a Cabeça Gorda, direitinho à Serra da Eira, apreciando com todos os sentidos, ora à esquerda ora à direita ora em frente, aquilo que a natureza nos oferecia e aquilo que pela mão do homem foi construído nos séculos passados com paciência e muita arte e que fazem destas serras um lugar singular. Falamos dos muros, dos chousos, dos marouços, das casinas e dos abrigos, tudo construído em pedra solta ou seca, como por aqui se chama.
Quisemos mostrar, a quem era novo nas andanças por estes sítios, a arte de construção da abóbada de uma casina, toda em pedra solta, feita num equilíbrio de forças e à força de muita paciência. Saltámos um muro com a condição de nada danificar. Tudo ficou como estava e pudémos apreciar assim a arte e engenho de quem criou estas exíguas estruturas. Que nos perdoem os proprietários por esta curta invasão mas foi por uma boa causa e em nada prejudicámos o que existia.
Um pouco à frente, na zona dos Crutos, atraídos pelo alcantilado dos penedos à nossa frente e sabendo que as "Ventas do Diabo" por ali se situam, saímos do trilho e aventurámo-nos por sítios perigosos procurando um acesso do lado sul às grandes grutas que, em outras aventuras, já acedêramos pelo norte e por nascente. A tentativa saiu frustrada e por falta de tempo não procurámos outro acesso.
Por um belo carreiro seguimos na direção das grutas de Santo António. Passámos junto ao velho e moribundo edifício que foi, em tempos, o restaurante "A Rosa". No chafariz já não corre água; no moinho as velas estão rasgadas; nas churrasqueiras já se não assa; nas imensas salas já se não almoça nem janta nem se conversa: tudo morreu, até os sonhos...
Passamos por detrás da pizzaria. Quem se lembraria de tal num ermo destes?...
Acolhe-nos o "Trilho do Pai Ramiro" que nos há de conduzir até perto da Lapa da Cerejeira. Ali chegados uma surpresa nos esperava: o caminho para a lapa estava vedado. Para a próxima vamos ter que pagar bilhete, não?...
Há certas coisas que se não podem vedar. A nossa cultura não pode ser aprisionada. Não deitámos a cancela abaixo por civismo. Abrimo-la e voltámos a fechá-la, deixando-a como a encontrámos. Em 2014 o grupo Noiserv deu um concerto noturno dentro desta gruta onde estiveram cerca de 80 pessoas (ainda que os bilhetes estivessem restringidos a 55). Agora querem vedar-nos uma simples visita?... tenho encontrado nesta serra caminhos que antes eram públicos agora vedados por muros, cancelas ou portões. Que se passa?...
Bem, deixemos a nossa indignação e continuemos.
Retomámos o trilho sinalizado do PR5 logo ali para o abandonarmos um pouco à frente por opção curiosa de conhecer novos caminhos. Andámos um par de quilómetros e eis-nos encarreirados novamente com a Rota dos Frades.
Entrámos no povoado e, logo ali, à nossa frente, um muro pleno de cerebróides (ou cerebelos). De facto parece que a natureza decidiu reproduzir na pedra os ovalados cérebros humanos dentro do calcário desta zona. Trata-se de nódulos chérticos siliciosos, aparentados com o silex, datados do Bajociano, Jurássico, a era dos dinossauros. Ainda permanece um pouco nebulenta a origem deste fenómeno da natureza.
Deixámos para trás o muro de cerebelos. Outros mais dispersos iríamos encontrar mais adiante. Ao passarmos na Rua do Seminário questionámo-nos se não teria sido por ali a tal Escola dos Frades. Não havendo ninguém a quem perguntar, seguimos caminho por estradas rurais que nos haviam de conduzir até ao Bajouco. A histórica labuta das gentes destas aldeias, onde passámos está bem patente nas construções que se vão encontrando. Os muros ladeando os caminhos, espalhados pelas propriedades e defenindo chousos, as eiras onde se secava o escasso cereal arrancado pela força à natureza, as casas, currais e palheiros construídos de pedra seca, dão-nos uma ideia tão precisa da coragem e tenacidade destas gentes.
Chegámos à Pia do Bajouco. Limpa por voluntários este ano, apresenta uma água límpida e transparente que reflete as cores do céu. Esta depressão natural, criada pelo mesmo processo dos lapiás, enche-se no inverno com as águas da chuva, as mesmas que lhe deram forma, e esvaziava-se no estio para dessedentar animais e hortas. Hoje é uma bela e histórica curiosidade que nos enche a vista e aguça a imaginação, função não menos importante do que a primeira. Conservêmo-la.
Por caminhos ladeados de muros, onde, do outro lado, em campos verdejantes salpicados de oliveiras e albos calcários, pastam ovelhas e vacas, fomos percorrendo este planalto com nome e áurea de santo. Talvez por isso, a última parte do nosso percurso foi feita por um troço santo do CamInho de Fátima, que por aqui "obriga" os peregrinos a passar.
Waypoints
Comments (2)
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Information
Easy to follow
Scenery
Moderate
Belo trilho. So é pena é estar, nalguns pequenos troços, cheio de mato que dá pela cintura. Bem que a câmara podia dar uma vista de olhos de qua do em vez aos trilhos.
Cps
De facto muitos são os trilhos, no PNSAC, em que a natureza já reivindicou o que outrora lhe pertenceu. Falta não só vontade como é notório o desleixo na conservação dos trilhos. Eu vou revisitando de quando em vez alguns que já trilhei. Mas somos poucos. Sendo oficial e certificado deveria ser mantido.
Bem haja, Daniel, pela sua preocupação e comentário.