Da génese do pão à contemplação do sagrado no Montejunto
near Avenal, Lisboa (Portugal)
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Itinerary description
Cheguei cedo. Saio e contemplo, incrédulo, os dois moinhos em que o meu olhar tropeçara à chegada. Estão inteiros, são bonitos e aparentam funcionar ainda.
Tenho encontrado tantos por esses serros fora. Esventrados uns, decapitados a maioria, moribundos, esquecidos por uma cultura desculturada, votados à indiferença, jazendo por terra, preteridos em desfavor de lavadouros, fontes e rotundas. Sem direito a míseros subsídios, vão tombando esquecidos como soldados de outrora, suplantados por tecnologia de iões e não de grãos. Porque não rodavam à velocidade do som mas do vento; porque não tinham o sinal de partida inscrito num botão mas requisitavam força de homens para girar o capelo, desfraldar as velas e destravar o mastro; porque não funcionavam quando e onde se queria mas quando a natureza pródiga assim o permitia; porque não bastava o controlo do olhar mas necessária era imensa atividade para tirar uma pequena produtividade e porque ficavam sempre longe, esquecemo-nos que existiam. O "pão nosso de cada dia" passou a “pão quente a qualquer hora”. O pobre moleiro que descia, com o burro carregado de talegas da farinha, pelos escarpados carreiros da serra que voltava a subir ao fim do dia substuindo a carga por sacos de sisal cheios de grão, viu-se trocado por camiões carregando sacos de papel com farinha fina produzida em moagens industriais.
Quem se vai lembrar agora destas coisas obsoletas?... quem é que quer saber se o moleiro é agora um infeliz trolha que "come o pão que o diabo amassou"?... quem se lembra das velas rodando alvas ao vento colorindo a Serra?... e isso interessa?...
Abano a cabeça e afugento os pensamentos. Olho ávido à volta. São lindas estas paisagens sempre, mas em início de Outono extasiam. Bebem meus olhos a beleza ímpar de vales e cumeadas, de vinhas esquadradas pintadas de cores que aquecem esta fresca manhã. Há pomares lineados e prados geométricos preenchendo os espaços. As casas salpicam a paisagem por perto e enchem-na ao longe.
Chegam os companheiros. - Visitaste o moinho?... - Não, está fechado. - Ias gostar. - Pois ia, paciência.
Cá vamos. Descemos alguns metros pela estrada e entramos num carreiro que mais calcorreado foi outrora que o é hoje. Subimos, descuidando os passos, guardando cá dentro paisagens que enchem a alma. Um moinho desasado e desanimado volta-nos as costas. Damos a volta e penamos pelo futuro incerto deste e outros que o destino desasou, decapitou e acabou por esventrar. Sem parar de andar e cogitar, olhamos à esquerda e lá está outro. Subo, franqueio o portal inexistente e olho com pesar a mó partida no meio dos destroços. Aprecio o infinito azul que substitui o capelo, trocando os destroços pela beleza do céu e… saio.
Passamos a Casa do Guarda. A recente recuperação nas janelas não encobre o abandono eminente. Custa tanto ver património degradado e memórias perdidas.
Seguimos a meia encosta, por estrada de terra batida, apreciando a beleza da paisagem, que se estende para lá do canhão cársico da Ota, fazendo planos para um dia perseguir o perdido "Caminho do Gelo"; descobrindo a Chaminé Vulcânica de Meca; contando estórias de outras passagens por estas bandas; contando moinhos que a paisagem desvenda; adivinhando novos trilhos para outras aventuras; enfim, conversas de amigos que usufruem da natureza e da companhia.
Libertos do estradão subimos agora o Carreiro da Senhora. Topónimo de romeiros e peregrinos à Senhora das Neves. Recordo outra subida por aqui amparando um amigo que a vertigem atormentava. Os carrascos cresceram e tolhem agora a visão de desnível.
Paramos a meio da subida com vista para uma dobra da serra. O vale apertado já esqueceu quem lhe esculpiu a forma. Corre-lhe agora pelo fundo um trilhozinho dissimulado que nos aguça o apetite para futura aventura. Olhando para sudeste temos a visão da tentação do diabo: "dar-te-ei tudo isto…"
Ó diabo, temos que acabar a bucha que o caminho ainda é longo. Quebrado o ratito na barriga retomamos caminho.
Tente-se subir até ao 666º metro da Serra, por onde quer que seja, e, omnipresentes, lá estarão as antenas capturando nosso olhar. Feias ou bonitas?... quem me diz?... fico baralhado. Certo é que ilustro sempre estes momentos, focando ali a câmara do telemóvel. Servem a força aérea e a aviação civil algumas. Servem o sinal gratuito da TDT e da rádio outras. Pode diabolizar-se uma necessidade não havendo outra alternativa?... Eu não o faço.
Deixemo-nos de falar de coisas inestéticas porque chegamos a lugares sagrados. A Ermida de S. João Batista está à nossa frente. Envolta em nevoa está a memória desta ermida como ela própria quase sempre se encontra. Hoje é iluminada por um sol quente e radioso. A porta em ferro, que emoldura o portal calcário de arco perfeito, veda-nos a entrada. Talvez o roubo da imagem original (?) de S. João Batista, nos idos anos 50 do século passado, sejam a causa de hoje não nos podermos recolher em prece no interior sombrio, onde um confuso e baralhado painel de azulejo monocromático, que retratava cenas da vida do santo, mostra a estupidez e ignorância de quem recolocou os azulejos na década de 80. Bem, a vida de S. João Batista foi baralhada não era necessário baralhar mais. O altar-mor é em calcário e objeto de grande devoção do povo, sobretudo de Cabanas de Torres que, parece, continua a rumar a este vetusto templo todos os 24 de junho pela fé.
Contornando a Ermida que, datando do séc XIII, viu nascer tudo o que por aqui foi sendo construído, dirigimo-nos às ruínas de um convento que não o chegou a ser, tão pouco viu a sua construção concluída. Poderia chamar-se Convento N.ª Sr.ª das Neves, já que viria substituir ou complementar aquele que funcionava anexo à Ermida homónima, mas acabou conhecido como Convento da Reforma porque era construído na sequência da reforma da ordem Dominicana de Frei Manuel da Assunção que pretendia regressar à ordem do fundador. Mas porque raio não foi concluído?... Conjecturo… o Convento estava em construção no reinado de D. José I e os tempos conturbados do pós terramoto, da Guerra do Mirandum e da perseguição aos Jesuítas poderão ter levado os Dominicanos a desistir e abandonar o edifício semi construído. Terá sido?... desço às ruínas mas a linguagem destas pedras não a entendo eu.
Ainda embrenhado no mistério do convento do topo já me encontro junto de outro não menos misterioso. Aqui terá nascido a ordem Dominicana em Portugal. Em 1218 Frei Sueiro Gomes instala os primeiros monges num convento ofertado pela Infanta D. Sancha. Filha de D. Sancho I. A infanta recebera de herança o castelo de Alenquer e o respetivo termo e a futura beata Sancha de Portugal decidiu construir mosteiros e conventos para oferecer às ordens religiosas. Este ofereceu-o à ordem de S. Domingos. Mas os Dominicanos eram mendicante pregadores e por aqui havia pouco a quem pregar, por isso rumaram a Santarém e o Convento de Montejunto foi convertido em "casa de correção" para monges mal comportados ou que tivessem cometido algum delito. Dos anos seguintes nada foi dado conhecer à minha curiosidade. Frei Manuel da Assunção (re)construiu aqui o cenóbio no séc XVIII, chamando-lhe Convento N.ª Sr.ª das Neves. A Ermida é do séc XIII e a devoção do povo, devendo-se ou não à lenda da criança reencontrada que foi protegida pela "linda senhora de menino ao colo e maçã na mão" ou aos milagres relatados pelos devotos, faz com que aqui acorram em grande número a 5 de Agosto todos os anos.
Descemos a "calçada dos frades" (ou dos construtores do convento) e eu entro num carreirinho dissimulado entre os carrascos, convidado por um companheiro que conhece esta serra como as palmas das mãos, e dou com uma gruta à minha frente. Apetece-me entrar mas não temos equipamento nem tempo. Fica a ilustração e o “prá próxima”. Diz-se que esta Serra é oca, aqui deverá ser uma das entradas lá para dentro.
Almoçámos ali à sombra dos pinheiros, bem perto do Centro de Interpretação Ambiental e da Real Fábrica do Gelo, mas hoje o nosso trajeto leva outro rumo. Vamos em busca do Moinho do Céu.
Um pouco de asfalto, contrariados, percorremos mas depressa encontrámos um carreirito paralelo para por ele seguir. Apreciando a falha escarpada de beleza ímpar chegamos a um íngreme e pedregoso caminho e cá vamos subindo de barriga pesada. - É pra "desmoer" o almoço.
Chegámos… enfim!...
Espante-se… O Moinho do Céu está caído por terra!...
Mais um. Sinto-me ofendido pelo pirete figurado no geodésico encostado às ruínas e implantado aqui a 544m de altitude. Porque será que aquele moinho, ali tombado, um dia foi chamado "do Céu"?... Talvez por estar mais alto que qualquer outro que, ao redor, se avista; talvez porque seria o céu merecido para quem tão cá em cima labutava; talvez porque quem nele vivia se sentia assim mais perto de Deus.
Que o Senhor te tenha em Paz.
Descemos agora por trilho que, a ser percorrido pelo moleiro, não admira que no céu se sentisse lá em cima já que isto é um inferno para descer. Íngreme e escorregadio… vou calar-me porque toda a atenção é pouca.
Cá em baixo já, por entre vinhedos, nos dirigimos para o Avenal. De avena (aveia) pensei, em tempos, que derivava o topónimo. Mas José Pedro Machado, mestre em toponímia, disse que não. O nome, vejam bem, deriva de avelaneira, coisa que por aqui se não vê. Como o tempo conserva as coisas em memórias disfarçadas…
Já subimos de novo alvejando o Alto da Lagoinha. Lá em cima, uma ameiada e redondinha torre espreita sobre a copa dos eucaliptos. Parece que pertence à Quinta do Convento (de N.ª Sr.ª da Visitação). Apetecia visitá-la mas o carreiro por onde seguimos desvia-nos e já é tarde. Ali à beira tropeçamos num incomum afloramento granítico. - Penso que é o Penedo dos Ovos. - diz o companheiro que comigo caminha. Mas não. Uns metritos andados e, agora sim, encontramos um grande afloramento que, pela sua dimensão e especificidade (granito com grandes cristais de feldspato numa serra de calcário) terá dado azo à imaginação popular.
Há nossa esquerda, lá em cima, o Moinho do Penedo dos Ovos. Bem conservados também mais 2 naquele outeiro. Passamos por outro de estado semelhante mas em espaço privado e vedado, é o Moinho da Lage.
Chegamos ao fim. Mas esperem… o Moinho de Avis está aberto. Vamos lá!
Somos convidados a entrar pelo dono, o senhor Miguel Nobre. Este homem é responsável pela recuperação desta joia e de mais 40 por esta Estremadura fora.
Por aqui me fico porque dar-vos conta do tempo e conversa que tivemos, dava outro "testamento" maior que o que aqui já temos.
Acabamos no Curral do Burro com umas imperiais bem merecidas.
Tão grato me sinto, meu Deus…
Tenho encontrado tantos por esses serros fora. Esventrados uns, decapitados a maioria, moribundos, esquecidos por uma cultura desculturada, votados à indiferença, jazendo por terra, preteridos em desfavor de lavadouros, fontes e rotundas. Sem direito a míseros subsídios, vão tombando esquecidos como soldados de outrora, suplantados por tecnologia de iões e não de grãos. Porque não rodavam à velocidade do som mas do vento; porque não tinham o sinal de partida inscrito num botão mas requisitavam força de homens para girar o capelo, desfraldar as velas e destravar o mastro; porque não funcionavam quando e onde se queria mas quando a natureza pródiga assim o permitia; porque não bastava o controlo do olhar mas necessária era imensa atividade para tirar uma pequena produtividade e porque ficavam sempre longe, esquecemo-nos que existiam. O "pão nosso de cada dia" passou a “pão quente a qualquer hora”. O pobre moleiro que descia, com o burro carregado de talegas da farinha, pelos escarpados carreiros da serra que voltava a subir ao fim do dia substuindo a carga por sacos de sisal cheios de grão, viu-se trocado por camiões carregando sacos de papel com farinha fina produzida em moagens industriais.
Quem se vai lembrar agora destas coisas obsoletas?... quem é que quer saber se o moleiro é agora um infeliz trolha que "come o pão que o diabo amassou"?... quem se lembra das velas rodando alvas ao vento colorindo a Serra?... e isso interessa?...
Abano a cabeça e afugento os pensamentos. Olho ávido à volta. São lindas estas paisagens sempre, mas em início de Outono extasiam. Bebem meus olhos a beleza ímpar de vales e cumeadas, de vinhas esquadradas pintadas de cores que aquecem esta fresca manhã. Há pomares lineados e prados geométricos preenchendo os espaços. As casas salpicam a paisagem por perto e enchem-na ao longe.
Chegam os companheiros. - Visitaste o moinho?... - Não, está fechado. - Ias gostar. - Pois ia, paciência.
Cá vamos. Descemos alguns metros pela estrada e entramos num carreiro que mais calcorreado foi outrora que o é hoje. Subimos, descuidando os passos, guardando cá dentro paisagens que enchem a alma. Um moinho desasado e desanimado volta-nos as costas. Damos a volta e penamos pelo futuro incerto deste e outros que o destino desasou, decapitou e acabou por esventrar. Sem parar de andar e cogitar, olhamos à esquerda e lá está outro. Subo, franqueio o portal inexistente e olho com pesar a mó partida no meio dos destroços. Aprecio o infinito azul que substitui o capelo, trocando os destroços pela beleza do céu e… saio.
Passamos a Casa do Guarda. A recente recuperação nas janelas não encobre o abandono eminente. Custa tanto ver património degradado e memórias perdidas.
Seguimos a meia encosta, por estrada de terra batida, apreciando a beleza da paisagem, que se estende para lá do canhão cársico da Ota, fazendo planos para um dia perseguir o perdido "Caminho do Gelo"; descobrindo a Chaminé Vulcânica de Meca; contando estórias de outras passagens por estas bandas; contando moinhos que a paisagem desvenda; adivinhando novos trilhos para outras aventuras; enfim, conversas de amigos que usufruem da natureza e da companhia.
Libertos do estradão subimos agora o Carreiro da Senhora. Topónimo de romeiros e peregrinos à Senhora das Neves. Recordo outra subida por aqui amparando um amigo que a vertigem atormentava. Os carrascos cresceram e tolhem agora a visão de desnível.
Paramos a meio da subida com vista para uma dobra da serra. O vale apertado já esqueceu quem lhe esculpiu a forma. Corre-lhe agora pelo fundo um trilhozinho dissimulado que nos aguça o apetite para futura aventura. Olhando para sudeste temos a visão da tentação do diabo: "dar-te-ei tudo isto…"
Ó diabo, temos que acabar a bucha que o caminho ainda é longo. Quebrado o ratito na barriga retomamos caminho.
Tente-se subir até ao 666º metro da Serra, por onde quer que seja, e, omnipresentes, lá estarão as antenas capturando nosso olhar. Feias ou bonitas?... quem me diz?... fico baralhado. Certo é que ilustro sempre estes momentos, focando ali a câmara do telemóvel. Servem a força aérea e a aviação civil algumas. Servem o sinal gratuito da TDT e da rádio outras. Pode diabolizar-se uma necessidade não havendo outra alternativa?... Eu não o faço.
Deixemo-nos de falar de coisas inestéticas porque chegamos a lugares sagrados. A Ermida de S. João Batista está à nossa frente. Envolta em nevoa está a memória desta ermida como ela própria quase sempre se encontra. Hoje é iluminada por um sol quente e radioso. A porta em ferro, que emoldura o portal calcário de arco perfeito, veda-nos a entrada. Talvez o roubo da imagem original (?) de S. João Batista, nos idos anos 50 do século passado, sejam a causa de hoje não nos podermos recolher em prece no interior sombrio, onde um confuso e baralhado painel de azulejo monocromático, que retratava cenas da vida do santo, mostra a estupidez e ignorância de quem recolocou os azulejos na década de 80. Bem, a vida de S. João Batista foi baralhada não era necessário baralhar mais. O altar-mor é em calcário e objeto de grande devoção do povo, sobretudo de Cabanas de Torres que, parece, continua a rumar a este vetusto templo todos os 24 de junho pela fé.
Contornando a Ermida que, datando do séc XIII, viu nascer tudo o que por aqui foi sendo construído, dirigimo-nos às ruínas de um convento que não o chegou a ser, tão pouco viu a sua construção concluída. Poderia chamar-se Convento N.ª Sr.ª das Neves, já que viria substituir ou complementar aquele que funcionava anexo à Ermida homónima, mas acabou conhecido como Convento da Reforma porque era construído na sequência da reforma da ordem Dominicana de Frei Manuel da Assunção que pretendia regressar à ordem do fundador. Mas porque raio não foi concluído?... Conjecturo… o Convento estava em construção no reinado de D. José I e os tempos conturbados do pós terramoto, da Guerra do Mirandum e da perseguição aos Jesuítas poderão ter levado os Dominicanos a desistir e abandonar o edifício semi construído. Terá sido?... desço às ruínas mas a linguagem destas pedras não a entendo eu.
Ainda embrenhado no mistério do convento do topo já me encontro junto de outro não menos misterioso. Aqui terá nascido a ordem Dominicana em Portugal. Em 1218 Frei Sueiro Gomes instala os primeiros monges num convento ofertado pela Infanta D. Sancha. Filha de D. Sancho I. A infanta recebera de herança o castelo de Alenquer e o respetivo termo e a futura beata Sancha de Portugal decidiu construir mosteiros e conventos para oferecer às ordens religiosas. Este ofereceu-o à ordem de S. Domingos. Mas os Dominicanos eram mendicante pregadores e por aqui havia pouco a quem pregar, por isso rumaram a Santarém e o Convento de Montejunto foi convertido em "casa de correção" para monges mal comportados ou que tivessem cometido algum delito. Dos anos seguintes nada foi dado conhecer à minha curiosidade. Frei Manuel da Assunção (re)construiu aqui o cenóbio no séc XVIII, chamando-lhe Convento N.ª Sr.ª das Neves. A Ermida é do séc XIII e a devoção do povo, devendo-se ou não à lenda da criança reencontrada que foi protegida pela "linda senhora de menino ao colo e maçã na mão" ou aos milagres relatados pelos devotos, faz com que aqui acorram em grande número a 5 de Agosto todos os anos.
Descemos a "calçada dos frades" (ou dos construtores do convento) e eu entro num carreirinho dissimulado entre os carrascos, convidado por um companheiro que conhece esta serra como as palmas das mãos, e dou com uma gruta à minha frente. Apetece-me entrar mas não temos equipamento nem tempo. Fica a ilustração e o “prá próxima”. Diz-se que esta Serra é oca, aqui deverá ser uma das entradas lá para dentro.
Almoçámos ali à sombra dos pinheiros, bem perto do Centro de Interpretação Ambiental e da Real Fábrica do Gelo, mas hoje o nosso trajeto leva outro rumo. Vamos em busca do Moinho do Céu.
Um pouco de asfalto, contrariados, percorremos mas depressa encontrámos um carreirito paralelo para por ele seguir. Apreciando a falha escarpada de beleza ímpar chegamos a um íngreme e pedregoso caminho e cá vamos subindo de barriga pesada. - É pra "desmoer" o almoço.
Chegámos… enfim!...
Espante-se… O Moinho do Céu está caído por terra!...
Mais um. Sinto-me ofendido pelo pirete figurado no geodésico encostado às ruínas e implantado aqui a 544m de altitude. Porque será que aquele moinho, ali tombado, um dia foi chamado "do Céu"?... Talvez por estar mais alto que qualquer outro que, ao redor, se avista; talvez porque seria o céu merecido para quem tão cá em cima labutava; talvez porque quem nele vivia se sentia assim mais perto de Deus.
Que o Senhor te tenha em Paz.
Descemos agora por trilho que, a ser percorrido pelo moleiro, não admira que no céu se sentisse lá em cima já que isto é um inferno para descer. Íngreme e escorregadio… vou calar-me porque toda a atenção é pouca.
Cá em baixo já, por entre vinhedos, nos dirigimos para o Avenal. De avena (aveia) pensei, em tempos, que derivava o topónimo. Mas José Pedro Machado, mestre em toponímia, disse que não. O nome, vejam bem, deriva de avelaneira, coisa que por aqui se não vê. Como o tempo conserva as coisas em memórias disfarçadas…
Já subimos de novo alvejando o Alto da Lagoinha. Lá em cima, uma ameiada e redondinha torre espreita sobre a copa dos eucaliptos. Parece que pertence à Quinta do Convento (de N.ª Sr.ª da Visitação). Apetecia visitá-la mas o carreiro por onde seguimos desvia-nos e já é tarde. Ali à beira tropeçamos num incomum afloramento granítico. - Penso que é o Penedo dos Ovos. - diz o companheiro que comigo caminha. Mas não. Uns metritos andados e, agora sim, encontramos um grande afloramento que, pela sua dimensão e especificidade (granito com grandes cristais de feldspato numa serra de calcário) terá dado azo à imaginação popular.
Há nossa esquerda, lá em cima, o Moinho do Penedo dos Ovos. Bem conservados também mais 2 naquele outeiro. Passamos por outro de estado semelhante mas em espaço privado e vedado, é o Moinho da Lage.
Chegamos ao fim. Mas esperem… o Moinho de Avis está aberto. Vamos lá!
Somos convidados a entrar pelo dono, o senhor Miguel Nobre. Este homem é responsável pela recuperação desta joia e de mais 40 por esta Estremadura fora.
Por aqui me fico porque dar-vos conta do tempo e conversa que tivemos, dava outro "testamento" maior que o que aqui já temos.
Acabamos no Curral do Burro com umas imperiais bem merecidas.
Tão grato me sinto, meu Deus…
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Comments (2)
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Como sempre, uma descrição á altura da beleza do passeio e da amizade, á qual juntaste, com a mestria habitual, a preciosa mais valia histórica. Bem hajas amigo! Abraço.
Caro amigo, o teu conhecimento daquela Serra leva-me a propor-te que, um dia destes, lá voltemos para percorrer outros trilhos. A cascalheira e aquele trilhozinho no fundo do vale ficaram a esgaravatar na caixinha dos pirolitos. A Real Fábrica do Gelo e a Penha do Meio Dia são locais que quero revisitar.
Um abraço.