Da Estação de S. Bento a Espinho
near Porto, Porto (Portugal)
Viewed 2184 times, downloaded 42 times
Trail photos
Itinerary description
9 da manhã. Estacionamos o carro ali juntinho ao terminal do Vouguinha em Espinho. Vamos até à estação e apanhamos o urbano para S. Bento.
50 minutos passados e eis-nos no átrio da estação a apreciar deleitados a bela obra de azulejaria do mestre Jorge Colaço. Colocados aqui em agosto de 1915, estes cerca de 550 m2 fazem desta uma das mais belas estações ferroviárias do mundo. Pintou o artista cenas históricas de algum modo ligadas ao Porto:
- O casamento de D. João I e Dona Filipa de Lencastre - andaria muito ocupado o rei que, para estar presente na manhã do casamento, toda a noite cavalgou de Guimarães ao Porto. Era 2 de Fevereiro de 1387. A boda, aqui reproduzida a partir da descrição de Fernão Lopes, aconteceu 9 dias depois.
- A Conquista de Ceuta - o Infante D. Henrique, nascido no Porto, volta aqui com 20 anos de idade para organizar uma frota de navios. Num ano os estaleiros de Miragaia e Lordelo construíram cerca de 100 embarcações que ninguém, por aqui, imaginava a que se destinavam. Diz-se que as "tripas à moda do Porto" tiveram origem neste acontecimento, uma vez que para fornecer a armada se abateram todos os porcos e bezerros das redondezas e os portuenses viram-se a braços com uma quantidade inusitada de vísceras e sem carne para os enchidos e para comer. Como aqui nada se desperdiça só restava encontrar um modo de cozinhar as tripas;
Com estas cenas na memória, e sem mais tempo para em todas meditar, chegamos junto da Sé onde aconteceu o casamento de D. João I. Olho para trás. O edifício da estação mostra-se imponente lembrando a grande Gare du Nord, provavelmente inspiradora do arq. Marques da Silva, e penso como seria o Mosteiro de S. Bento de Santa Maria, que ali existiu e foi totalmente destruído para que os comboios e o progresso chegassem à cidade.
Impõe-se agora à nossa frente o escuro monumento da Sé Catedral do Porto guardado pela estátua equestre de Vimara Peres, o 1º conde de Portucale e fundador do burgo que daria origem à bela cidade sobre o Douro debruçada.
Uma vez mais apreciamos a galilé maneirista da autoria de Nicolau Nasoni. À esquerda fugiu à ilustração da câmara do telemóvel o chafariz de S. Miguel, também da autoria daquele que, nascido em Itália, escolheu o Porto para viver e morrer.
Detemo-nos no Terreiro de D. Afonso Henriques, em frente ao portal, para, mais uma vez, admirar a conjugação do românico do século XII com uma rosácea gótica, aberta no século XIV e os elementos barroco maneiristas do século XVIII.
Atravessamos o terreiro diretos ao Paço Episcopal (também obra de Nasoni) que, aqui no cimo da Pena Ventosa tem uma vista deslumbrante sobre o Douro. Descemos as escadas para a rua de D. Hugo que homenageia o Bispo a quem D. Teresa entregou o burgo que viria a ser, séculos passados, a "mui nobre e Invicta cidade". Esta rua segue o traçado da muralha medieval.
Chegamos à Capela de N.ª Sr.ª das Verdades. Sobre o altar deverá (ou deveria?) estar uma imagem da Santa, esculpida em pedra de Ançã, que outrora encimava a Porta das Verdades que, diz-se, se terá chamado também Porta das Mentiras.
Descemos as Escadas das Verdades e continuamos por rua homónima até que, à nossa frente aparece o tabuleiro superior da Ponte de D. Luís.
Descemos as Escadas do Codeçal e passamos junto ao Recolhimento do Ferro. A história destes locais é riquíssima mas agora já não há tempo... estamos já em frente aos pilares que suportaram a Ponte Pencil D. Maria II que, tendo substituído a Ponte das Barcas, foi a primeira estrutura construída sobre o Douro em território nacional para funcionamento permanente. Inaugurada em 1843, esteve ao serviço 44 anos.
De cabeça no ar olhamos e apreciamos a magnificência de um dos ex-libris da cidade: a Ponte Luiz I, sem o dom que foi assim que foi batizada.
Atravessamos os 174 metros do tabuleiro inferior e eis-nos do outro lado.
Gaia que já foi Vila Nova e hoje é cidade sem complexos defronte à metrópole, até porque Portucale Castrumantiqum {Gaia) é mais antigo que Portucale Castrumnuovum (Porto). Todos sabemos também que o vinho que se diz do Porto o é mas… do porto deste lado. Não fora o caminho que temos para andar e visitaríamos as caves que, tentadoramente, à nossa sinistra irão desfilar. Olhamos para o outro lado resistindo à tentação. Apreciamos o lento balançar dos Rabelos autênticos ali ancorados. Outros menos autênticos, de espadela cortada ou inexistente e sem vela, propulsionados a motor, transportam rio abaixo rio acima os poucos turistas que a Covid não assusta. De fundo chato (o sagro), em tábua trincada, sem quilha, vela quadrada e espadela, que lhe deu o nome por ser o "rabo" a servir de leme, estes barcos de porte altivo, que hoje silenciosos repousam aqui à beira, subiram o rio, tantas vezes puxados a braços a partir das sirgas por escasso ser o vento para enfunar a vela, para depois o descer em louca e corajosa cavalgada, balançando ao sabor da corrente brava. Diz-se que esse balançar dava outro melhor sabor ao vinho que assim era transportado. Ai o sabor!...
Com a paixão deste pensar foge o olhar penosamente para a fachada da Cálem... Vamos lá... Forçamos o olhar para lá do Rio. Tanto é o que daqui se vê do "Porto Sentido"... mas uma força estranha nos leva a voltar a cabeça de novo e... lá estão... a Sandeman, a Taylor, a Ferreira, a Cruz... esquece Joaquim... hoje não. Afasto pesaroso a recordação de saborosos momentos passados dentro de algumas e o desejo de outras visitar e olho o rio.
Neste deambular entre o belo e o desejo tropeço num ninho de Rabelos. Não sabia que existia e foi com agradável surpresa que dei de frente com este estaleiro. Constroem-se e reparam-se aqui Rabelos modernos à moda antiga. Vejo um que genuinamente apresenta o coqueiro (coberto à ré) e as apegadas (lê-se apégadas e é o estrado de acesso à espadela).
Diz-se que existiram 13 estaleiros entre a ponte Luiz I e a Afurada. Este deverá ser o "ninho" que resta. A placa "Proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço" tolhe-nos a intenção de entrar. Ilustramos a partir de fora e seguimos caminho.
Passamos já por Santa Marinha. Do outro lado do rio vemos espreitar a cúpula do Palácio de Cristal sobre as árvores do belo jardim que o rodeia. Mudem-lhe o nome as vezes que quiserem, para mim será sempre este por que o conheço.
À beira Douro continua o nosso caminho.
Finda-se o Cais de Gaia, seguem-se o da Fontaínha, o Capelo Ivens, o do Cavaco e o do Lugan. Por estes cais adiante há muito que vínhamos mirando este enorme arco que tão nosso conhecido já é. A grandiosa Ponte da Arrábida mostra-nos a sua imponência. Deve-se ao engenho e arte de Edgar Cardoso o projeto desta obra prima da engenharia. No 50º aniversário {2013} foi classificada como monumento nacional. Este arco, composto por duas aduelas ligadas em diagonal cruzada pelos contraventos, sob o qual passamos, tem cerca de 270 metros e é o único arco de uma ponte acima do Equador que pode ser visitado. Para isso sobem-se 262 degraus. Não será hoje mas a visita vai ser agendada em breve. Curioso é que estas aduelas são ocas para reduzir o peso da estrutura e o fecho do cimbre metálico foi um espetáculo que durou 5 dias e juntou um batalhão de incrédulos estrangeiros. Bem feito!... Quase 60 anos depois a ponte continua de pé (apesar de já ter sido "remendada") servindo o norte como nenhuma outra. Olhamos para trás com nostalgia ficando com uma bela imagem na memória.
Vencendo a última volta do rio e arrecadando imagens nos meandros da memória, chegamos à Afurada. Vieram de terras a sul os pescadores; povoaram a bela praia; a pesca à varga foi atividade de suor, lágrimas e amor destas gentes. Aqui come-se o peixe que aqui se pesca. Que pena tenho da hora tão temporã a que passamos e do longo caminho pela frente. Continuemos…
Ali, juntinho à praia, damos com uma confusão de paus com cordas esticadas. Imaginámos peixe a secar nestas cordas mas a roupa estendida nelas desilude o pensamento. Pensámos na possibilidade de serem para secar as roupas dos pescadores molhadas na faina. Mas também não. Estes são estendais para a roupa lavadinha mesmo ali ao lado no lavadouro comunitário. As mulheres aqui preferem bater a roupa do que deixar que as máquinas o façam por elas. O engraçado é que ninguém se apodera das peças estendidas mesmo que ali permaneçam um ou dois dias.
E pronto, mal dei por isso e eis-nos na "volta do Cabedelo". Da reserva natural à nossa direita sabemos que é paragem de repouso importante de aves migratórias. O acesso é condicionado e não tem caminho que nos sirva senão este que a bordeja a sul. Uma dourada língua de areia em foice dá forma à Praia do Cabedelo. No meio veem-se as Pedras do Maroiço, uma delas será a Pedra de Escorregar de que Cleto conta a lenda no livro Lendas do Porto.
Abandonamos o rio, começa o mar. E aqui começa o Geomonumento de Lavadores. Haverá quase 300 milhões de anos, coisa pouca, que este afloramento granítico se formou. São várias as geoformas que constitui este aglomerado de pedras que vamos observando cá de cima. Hoje não há tempo para as observar como mereciam. Não veremos as Marmitas Litorais nem as Disjunções Esferoidais. Tão pouco passearemos sobre as Plataformas de Erosão. Fica-nos no olhar a beleza em contraste com a areia e a cama do azul marinho deste fim de manhã de sol. Ficam por contar outras lendas de mouras e pedras que tantas por aqui há.
Por passadiços de madeira vamos mareando o olhar da alma nas belezas das praias e mar desta costa: Lavadores, Pedras Amarelas, Estrela do Mar, Salgueiros, Sereia, Canidelo, Marbelo, Madalena… já não me lembro de olhar senão para mar, rochas e areia; o mundo deixou de existir à nossa esquerda. Levamos os olhos tão "mareados" que a alma se mareou de modo igual à vista do Senhor da Pedra. Não custa a crer que aquele penedo tenha sido lugar de culto de povos mareantes pré cristãos. Também não pecamos se supusermos que o padre Barbosa Pereira, não encontrando eco para a construção de um forte na Pedra da Asureira, local de culto pagão, tenha decidido ali construir uma capela de culto popular que levasse ao esquecimento do primeiro pela imposição do segundo. Ainda nos não é difícil aceitar as lendas que o folclore popular cria, de luzes que, brilhando misteriosamente, indicam o local onde se devia construir o pequeno templo. Nada nos surpreende olhando o local que, pertencendo a terra, o mar reclama em dias que lembram que este mar é vida mas também pode ser morte.
Sextavado e arquitetura barroca lembra, em pequena escala e não atendendo ao número de lados, um outro dedicado ao mesmo Senhor da Pedra que em Óbidos existe e existiria já à data da construção deste.
Entramos. O barroco rococó dos três altares convidam a uma religiosidade pouco garantida pela falta de ambiente de recolhimento. Fui ao Senhor da Pedra mas não fui ao céu. Saímos e olhamos o mar batendo hoje o rochedo com uma suavidade pouco usual nesta costa.
De pés bem secos, afundando as botas na areia, deixamos o santuário meditando uma pequena oração.
Os passadiços de madeira esperavam por nós e o choc choc das botas são a música que agora nos acompanha.
Deixámos Miramar, passámos a Areia Branca, a Aguda, a Granja e Bocamar. Atravessamos o pequeno ribeiro que desagua na Praia do Brito e começamos a cruzar-nos com muita gente que faz o seu exercício diário e nos traz a preocupação dos tempos atuais. Apressámos o passo e já percorremos a marginal de Espinho com pressa de encontrar a Rua 33 que nos leva ao local onde esta manhã deixámos o carro.
Elevo o pensamento para a imagem do Senhor da Pedra e agradeço esta ventura de poder caminhar por sítios de tanto encanto. Bem hajas, meu Deus.
50 minutos passados e eis-nos no átrio da estação a apreciar deleitados a bela obra de azulejaria do mestre Jorge Colaço. Colocados aqui em agosto de 1915, estes cerca de 550 m2 fazem desta uma das mais belas estações ferroviárias do mundo. Pintou o artista cenas históricas de algum modo ligadas ao Porto:
- O casamento de D. João I e Dona Filipa de Lencastre - andaria muito ocupado o rei que, para estar presente na manhã do casamento, toda a noite cavalgou de Guimarães ao Porto. Era 2 de Fevereiro de 1387. A boda, aqui reproduzida a partir da descrição de Fernão Lopes, aconteceu 9 dias depois.
- A Conquista de Ceuta - o Infante D. Henrique, nascido no Porto, volta aqui com 20 anos de idade para organizar uma frota de navios. Num ano os estaleiros de Miragaia e Lordelo construíram cerca de 100 embarcações que ninguém, por aqui, imaginava a que se destinavam. Diz-se que as "tripas à moda do Porto" tiveram origem neste acontecimento, uma vez que para fornecer a armada se abateram todos os porcos e bezerros das redondezas e os portuenses viram-se a braços com uma quantidade inusitada de vísceras e sem carne para os enchidos e para comer. Como aqui nada se desperdiça só restava encontrar um modo de cozinhar as tripas;
Com estas cenas na memória, e sem mais tempo para em todas meditar, chegamos junto da Sé onde aconteceu o casamento de D. João I. Olho para trás. O edifício da estação mostra-se imponente lembrando a grande Gare du Nord, provavelmente inspiradora do arq. Marques da Silva, e penso como seria o Mosteiro de S. Bento de Santa Maria, que ali existiu e foi totalmente destruído para que os comboios e o progresso chegassem à cidade.
Impõe-se agora à nossa frente o escuro monumento da Sé Catedral do Porto guardado pela estátua equestre de Vimara Peres, o 1º conde de Portucale e fundador do burgo que daria origem à bela cidade sobre o Douro debruçada.
Uma vez mais apreciamos a galilé maneirista da autoria de Nicolau Nasoni. À esquerda fugiu à ilustração da câmara do telemóvel o chafariz de S. Miguel, também da autoria daquele que, nascido em Itália, escolheu o Porto para viver e morrer.
Detemo-nos no Terreiro de D. Afonso Henriques, em frente ao portal, para, mais uma vez, admirar a conjugação do românico do século XII com uma rosácea gótica, aberta no século XIV e os elementos barroco maneiristas do século XVIII.
Atravessamos o terreiro diretos ao Paço Episcopal (também obra de Nasoni) que, aqui no cimo da Pena Ventosa tem uma vista deslumbrante sobre o Douro. Descemos as escadas para a rua de D. Hugo que homenageia o Bispo a quem D. Teresa entregou o burgo que viria a ser, séculos passados, a "mui nobre e Invicta cidade". Esta rua segue o traçado da muralha medieval.
Chegamos à Capela de N.ª Sr.ª das Verdades. Sobre o altar deverá (ou deveria?) estar uma imagem da Santa, esculpida em pedra de Ançã, que outrora encimava a Porta das Verdades que, diz-se, se terá chamado também Porta das Mentiras.
Descemos as Escadas das Verdades e continuamos por rua homónima até que, à nossa frente aparece o tabuleiro superior da Ponte de D. Luís.
Descemos as Escadas do Codeçal e passamos junto ao Recolhimento do Ferro. A história destes locais é riquíssima mas agora já não há tempo... estamos já em frente aos pilares que suportaram a Ponte Pencil D. Maria II que, tendo substituído a Ponte das Barcas, foi a primeira estrutura construída sobre o Douro em território nacional para funcionamento permanente. Inaugurada em 1843, esteve ao serviço 44 anos.
De cabeça no ar olhamos e apreciamos a magnificência de um dos ex-libris da cidade: a Ponte Luiz I, sem o dom que foi assim que foi batizada.
Atravessamos os 174 metros do tabuleiro inferior e eis-nos do outro lado.
Gaia que já foi Vila Nova e hoje é cidade sem complexos defronte à metrópole, até porque Portucale Castrumantiqum {Gaia) é mais antigo que Portucale Castrumnuovum (Porto). Todos sabemos também que o vinho que se diz do Porto o é mas… do porto deste lado. Não fora o caminho que temos para andar e visitaríamos as caves que, tentadoramente, à nossa sinistra irão desfilar. Olhamos para o outro lado resistindo à tentação. Apreciamos o lento balançar dos Rabelos autênticos ali ancorados. Outros menos autênticos, de espadela cortada ou inexistente e sem vela, propulsionados a motor, transportam rio abaixo rio acima os poucos turistas que a Covid não assusta. De fundo chato (o sagro), em tábua trincada, sem quilha, vela quadrada e espadela, que lhe deu o nome por ser o "rabo" a servir de leme, estes barcos de porte altivo, que hoje silenciosos repousam aqui à beira, subiram o rio, tantas vezes puxados a braços a partir das sirgas por escasso ser o vento para enfunar a vela, para depois o descer em louca e corajosa cavalgada, balançando ao sabor da corrente brava. Diz-se que esse balançar dava outro melhor sabor ao vinho que assim era transportado. Ai o sabor!...
Com a paixão deste pensar foge o olhar penosamente para a fachada da Cálem... Vamos lá... Forçamos o olhar para lá do Rio. Tanto é o que daqui se vê do "Porto Sentido"... mas uma força estranha nos leva a voltar a cabeça de novo e... lá estão... a Sandeman, a Taylor, a Ferreira, a Cruz... esquece Joaquim... hoje não. Afasto pesaroso a recordação de saborosos momentos passados dentro de algumas e o desejo de outras visitar e olho o rio.
Neste deambular entre o belo e o desejo tropeço num ninho de Rabelos. Não sabia que existia e foi com agradável surpresa que dei de frente com este estaleiro. Constroem-se e reparam-se aqui Rabelos modernos à moda antiga. Vejo um que genuinamente apresenta o coqueiro (coberto à ré) e as apegadas (lê-se apégadas e é o estrado de acesso à espadela).
Diz-se que existiram 13 estaleiros entre a ponte Luiz I e a Afurada. Este deverá ser o "ninho" que resta. A placa "Proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço" tolhe-nos a intenção de entrar. Ilustramos a partir de fora e seguimos caminho.
Passamos já por Santa Marinha. Do outro lado do rio vemos espreitar a cúpula do Palácio de Cristal sobre as árvores do belo jardim que o rodeia. Mudem-lhe o nome as vezes que quiserem, para mim será sempre este por que o conheço.
À beira Douro continua o nosso caminho.
Finda-se o Cais de Gaia, seguem-se o da Fontaínha, o Capelo Ivens, o do Cavaco e o do Lugan. Por estes cais adiante há muito que vínhamos mirando este enorme arco que tão nosso conhecido já é. A grandiosa Ponte da Arrábida mostra-nos a sua imponência. Deve-se ao engenho e arte de Edgar Cardoso o projeto desta obra prima da engenharia. No 50º aniversário {2013} foi classificada como monumento nacional. Este arco, composto por duas aduelas ligadas em diagonal cruzada pelos contraventos, sob o qual passamos, tem cerca de 270 metros e é o único arco de uma ponte acima do Equador que pode ser visitado. Para isso sobem-se 262 degraus. Não será hoje mas a visita vai ser agendada em breve. Curioso é que estas aduelas são ocas para reduzir o peso da estrutura e o fecho do cimbre metálico foi um espetáculo que durou 5 dias e juntou um batalhão de incrédulos estrangeiros. Bem feito!... Quase 60 anos depois a ponte continua de pé (apesar de já ter sido "remendada") servindo o norte como nenhuma outra. Olhamos para trás com nostalgia ficando com uma bela imagem na memória.
Vencendo a última volta do rio e arrecadando imagens nos meandros da memória, chegamos à Afurada. Vieram de terras a sul os pescadores; povoaram a bela praia; a pesca à varga foi atividade de suor, lágrimas e amor destas gentes. Aqui come-se o peixe que aqui se pesca. Que pena tenho da hora tão temporã a que passamos e do longo caminho pela frente. Continuemos…
Ali, juntinho à praia, damos com uma confusão de paus com cordas esticadas. Imaginámos peixe a secar nestas cordas mas a roupa estendida nelas desilude o pensamento. Pensámos na possibilidade de serem para secar as roupas dos pescadores molhadas na faina. Mas também não. Estes são estendais para a roupa lavadinha mesmo ali ao lado no lavadouro comunitário. As mulheres aqui preferem bater a roupa do que deixar que as máquinas o façam por elas. O engraçado é que ninguém se apodera das peças estendidas mesmo que ali permaneçam um ou dois dias.
E pronto, mal dei por isso e eis-nos na "volta do Cabedelo". Da reserva natural à nossa direita sabemos que é paragem de repouso importante de aves migratórias. O acesso é condicionado e não tem caminho que nos sirva senão este que a bordeja a sul. Uma dourada língua de areia em foice dá forma à Praia do Cabedelo. No meio veem-se as Pedras do Maroiço, uma delas será a Pedra de Escorregar de que Cleto conta a lenda no livro Lendas do Porto.
Abandonamos o rio, começa o mar. E aqui começa o Geomonumento de Lavadores. Haverá quase 300 milhões de anos, coisa pouca, que este afloramento granítico se formou. São várias as geoformas que constitui este aglomerado de pedras que vamos observando cá de cima. Hoje não há tempo para as observar como mereciam. Não veremos as Marmitas Litorais nem as Disjunções Esferoidais. Tão pouco passearemos sobre as Plataformas de Erosão. Fica-nos no olhar a beleza em contraste com a areia e a cama do azul marinho deste fim de manhã de sol. Ficam por contar outras lendas de mouras e pedras que tantas por aqui há.
Por passadiços de madeira vamos mareando o olhar da alma nas belezas das praias e mar desta costa: Lavadores, Pedras Amarelas, Estrela do Mar, Salgueiros, Sereia, Canidelo, Marbelo, Madalena… já não me lembro de olhar senão para mar, rochas e areia; o mundo deixou de existir à nossa esquerda. Levamos os olhos tão "mareados" que a alma se mareou de modo igual à vista do Senhor da Pedra. Não custa a crer que aquele penedo tenha sido lugar de culto de povos mareantes pré cristãos. Também não pecamos se supusermos que o padre Barbosa Pereira, não encontrando eco para a construção de um forte na Pedra da Asureira, local de culto pagão, tenha decidido ali construir uma capela de culto popular que levasse ao esquecimento do primeiro pela imposição do segundo. Ainda nos não é difícil aceitar as lendas que o folclore popular cria, de luzes que, brilhando misteriosamente, indicam o local onde se devia construir o pequeno templo. Nada nos surpreende olhando o local que, pertencendo a terra, o mar reclama em dias que lembram que este mar é vida mas também pode ser morte.
Sextavado e arquitetura barroca lembra, em pequena escala e não atendendo ao número de lados, um outro dedicado ao mesmo Senhor da Pedra que em Óbidos existe e existiria já à data da construção deste.
Entramos. O barroco rococó dos três altares convidam a uma religiosidade pouco garantida pela falta de ambiente de recolhimento. Fui ao Senhor da Pedra mas não fui ao céu. Saímos e olhamos o mar batendo hoje o rochedo com uma suavidade pouco usual nesta costa.
De pés bem secos, afundando as botas na areia, deixamos o santuário meditando uma pequena oração.
Os passadiços de madeira esperavam por nós e o choc choc das botas são a música que agora nos acompanha.
Deixámos Miramar, passámos a Areia Branca, a Aguda, a Granja e Bocamar. Atravessamos o pequeno ribeiro que desagua na Praia do Brito e começamos a cruzar-nos com muita gente que faz o seu exercício diário e nos traz a preocupação dos tempos atuais. Apressámos o passo e já percorremos a marginal de Espinho com pressa de encontrar a Rua 33 que nos leva ao local onde esta manhã deixámos o carro.
Elevo o pensamento para a imagem do Senhor da Pedra e agradeço esta ventura de poder caminhar por sítios de tanto encanto. Bem hajas, meu Deus.
Waypoints
Comments (4)
You can add a comment or review this trail
Belo percurso!
Feito em família, com segurança e "brindados" por um sol radioso.
Aconselho.
Sempre exímio, rigoroso e poético na generosa e pedagógica descrição deste nosso belo Portugal.
Bem hajas, amigo Joaquim! Muito obrigado e um abraço.
Bem hajas, Delfim, pela amizade e generosidade com que me distingues. Um abraço. Quando for possível havemos de atravessar o arco da Arrábida.☺
I have followed this trail View more
Information
Easy to follow
Scenery
Experts only
Uma bela caminhada à beira do Douro e pela costa até Espinho