Belezas de Arranhó

Este foi um percurso que fizemos para melhor conhecer as terras entre Arranhó e Bucelas, os seus fortes militares, as cascatas da ribeira do Boição, o Santuário da Senhora da Ajuda. Inspirado num trilho publicado pela Rotas e Trilhos da Natureza, com pequenas alterações, foi percorrido num belo e inesperadamente morno dia da Primavera de 2022.

Deixamos o carro no Largo do Chafariz, em Vila Nova, onde há lugar para 3 ou 4 carros. É um belo recanto, que prometia uma acolhedora mesa para no final fazermos um snack para repor energias.
Descemos a Travessa da Ribeira e ao fundo subimos a uma ponte pedonal, metálica, para cruzar o Rio Pequeno do Trancão
Do outro lado, junto à casa, tomamos o belo caminho rural que segue para sul, até que ao entroncar num outro caminho, tomamos o sentido oposto. Agora vamos para a Norte, a paisagem é mais despida mas também mais ampla, e em alguma secções apresenta vestígios de grande lajes, talvez tenha sido caminho antigo, no mínimo estrada militar do tempo das Invasões. A dada altura encontramos um marco em pedra calcária muito corroído, não consegui decifrar a inscrição.
Mais adiante cruzamos asfalto (M530-1) e entramos num curto single track, para depois tomar de novo a continuação do estradão que trazíamos. Seguimos agora a linha de cumeada, belas vistas, ao longe, a poente, o perfil indisfarçávelmente vulcânico que está na origem deste território.
O caminho esbarra num portão metálico, mas mesmo ao lado há um caminho mais estreito que nos proporciona a continuação da viagem. Descemos agora uma inclinada pista que nos leva a cruzar a municipal 1231. De novo, na descida, há vestígios de ter sido um caminho em macadame. Despois do asfalto descemos até à Ribeira dos Matos, que cruzamos sobre pequenas pedras, mas mesmo ao lado estão grandes poldres que permitem atravessá-la mesmo quando a água sobe mais, no Inverno.

Uma peça de fruta junto ao riacho e segue-se a subida ao Carvalhal e depois Arranhó de Baixo onde seguimos pelo asfalto, apanhamos depois a EN 115 e mais acima subimos à direita um caminho sobre os restos de uma velha estrada de macadame, provavelmente militar. O trilho estreitou e acabamos envoltos pela vegetação apertada, uns arranhõezitos e rápido ficou desafogado. Entramos na EN 115-4 que seguimos até ao Santuário de Nossa Senhora da Ajuda. Fizemos fotos, falamos com uma senhora de 91 anos que sempre ali viveu e nos contou das romarias, e voltamos um pouco atrás para tomar um caminho em macadame, a Estrada Militar Ajuda - Bucelas. Mais adiante trocámo-la por um trilho trilho à direita que sobe ao moinho, talvez o velho caminho do moleiro...
O moinho está num sítio espectacular, com belas e largas vistas, e o dia estava de feição: pouco vento, muito sossego, o chilrear primaveril das aves. Não demorou estávamos ali sentados a devorar os farnéis e a fazer o café. Só há que ter o cuidado de não ficar encostado ao moinho, pois o revestimento de alvenaria está a desgregar-se, cai em placas de 5cm de espessura, que andam espalhadas pelo chão. Muito mau ou fatal numa cabeça desprevenida.



Do moinho são dois passos até ao forte da Ajuda Grande, local de excelentes vistas, situado numa larga plataforma natural. Lá está também o marco geodésico de Alrota (311 m). Descemos e logo abaixo passa-se o local onde estaria o forte da Ajuda Pequeno. Depois é serpentear até lá abaixo, fazemos um pouco de asfalto e saímos à direita directos à Fábrica de Água de Santiago dos Velhos, e pouco adiante a Cascata das Contradinhas.
As inevitáveis fotos na cascata e saímos. O local, que já conhecíamos do nosso percurso Os Velhos de Santiago (https://pt.wikiloc.com/trilhas-trekking/os-velhos-de-s-tiago-arruda-83321364) é um encanto, tranquilo, fresco, abrigado, só se ouve o murmurejar da queda de água, mas tinha pouca água e muita gente, que era feriado.



Saímos rápido, subindo até à ponte onde atravessamos a ribeira, que é afluente da Ribeira do Boição, e passamos o velho poço com bomba manual de sucção, ainda funcional. No topo da subida surge uma das boas surpresas do percurso: daqui até à cascata do Boição vamos sempre seguir o vale da ribeira do Boição, um trilho de quase 3 quilómetros que desce suavemente por terrenos cársicos, sempre acompanhado, lá em baixo, dos sons frescos das águas. A dada altura o trilho converte-se num caminho de dois rodados, e continua, mais nivelado, a seguir as águas.

Chegamos por fim à cascata do Boição. Muita gente e um grupo de frequentadores mais novos equipados de fato de banho e um tijolo a berrar música de pum-pum-pum. Havia calor, alegria, barulho e faltava água e contemplação. Fiz a foto possível sem incluir frequentadores e fugimos.



Saímos logo pela outra margem e subimos à Estrada Velha do Boição, em que subimos por um bom bocado, até que saímos à esquerda por um caminho que desce pela encosta erma, regalando os olhos do caminheiro com a paisagem em frente, num suave contra-luz poente. O chão que pisamos mais uma vez revela vestígios de macadame ou lajes calcárias, talvez fizesse parte ou fosse uma transversal da Estrada Militar da Alrota.

Cruzamos a EN 115 e uns passos depois estávamos de volta ao Largo do Chafariz, onde o carro nos esperava encostado a um imenso plátano sob o qual uma mesa de madeira nos convidava a repor as forças com o última peça do nosso farnel.

Mas não abandono os meus amigos caminheiros sem uma lenda, claro, que deixo mais abaixo na descrição da Senhora da Ajuda.
Bons passos aos que seguirem este trilho!


Redutos da Ajuda

Estes redutos da Ajuda estão situados numa plataforma calcária que permite a visualização de uma vasta área. É um excelente local paisagístico e simultaneamente permite uma leitura da estratégia que teve na base da construção deste sistema defensivo. Distinguem-se dali várias serranias, a Serra de Serves e a Serra dos Picotinhos, separadas pelo vale do rio Trancão junto a Bucelas; parte da Serra do Calhandriz; a Serra do Alqueidão onde se localiza o forte do mesmo nome, o qual funcionou como quartel general do sistema em 1810; ou, ainda, num horizonte mais distante, a Serra do Socorro, com a sua capela, local onde estava instalada uma base de um sistema visual de comunicação a distância, sistema esse também associado ao complexo defensivo, e que permitia, através de uma rede de semáforos ópticos, transmitir rapidamente mensagens para vários pontos do mesmo complexo.
Estas obras militares de campo inseriam-se na 2ª Linha Defensiva e fazem parte de um conjunto de fortificações que protegiam o território compreendido entre o Tejo e o Desfiladeiro de Bucelas, atravessado pela estrada de Vila Franca a Alverca e pela via do Sobral ao Tojal, passando por Arranhó e Bucelas.

Reduto da Ajuda Grande (obra nº18)
Este Reduto apresenta uma planta composta, constituída por dois baluartes acoplados, com três acessos. É rodeado por um fosso nalguns pontos escavado na rocha, possui no exterior um través em cotovelo que defende uma das entradas viradas a norte. No seu interior existe um paiol, um total de cinco canhoneiras e dois traveses, um deles também em cotovelo, que reforça a dinâmica defensiva das entradas. Existiam aqui 4 canhões de calibre 12.
Guarnição: 300 homens

Reduto da Ajuda Pequeno (obra nº19)
Este Reduto apresenta uma planta poligonal e é rodeado por um fosso parcialmente escavado no substrato rochoso. Não foi intervencionado ao nível da investigação arqueológica, mas é possível identificar a zona das canhoneiras e do paiol.

(adaptado parcialmente do site rhlt, cm-loures.pt, e dos cartazes em local)


Santuário de Nossa Senhora da Ajuda

É uma capela singela, situada na povoação com o seu nome, ali ao lado de Arranhó. Segundo apurei, o dia da Padroeira é o 8 de Setembro, mas as festividades estendem-se normalmente dentre 7 e 10 desse mês.
Pequena e singela, mas testemunha de um mais uma aparição de Nossa Senhora, e de um milagre que estão na génese da sua construção e das romagens:

A lenda da Nossa Senhora da Ajuda

Conta o povo que há muito, muito, tempo costumava andar uma pastorinha a apascentar o seu rebanho no local onde se situa hoje a povoação de Nossa Senhora da Ajuda.
Certo dia, enquanto descansava sobre uma pedra, apareceu-lhe uma Imagem muito linda e luminosa que lhe pediu para ser construída naquele lugar uma ermida em sua honra.
O pai, Afonso Anes, quando a filha lhe contou que fora “visitada” pela “Rainha dos Céus”, acusou-a de estar a mentir, proibindo-a de tocar mais no assunto.

Porém, dias depois, enquanto vigiava o seu rebanho, a Imagem voltou a aparecer, ainda mais luminosa, insistindo no pedido de ser construída uma ermida naquele local.
A pastorinha, embora receosa da reação do pai, contou-lhe de novo o sucedido, tendo este respondido que, da próxima vez que fosse visitada pela Senhora, lhe dissesse que não podia ser construída nenhuma ermida naquele local, pois ali não havia água, o que impediria a realização de qualquer obra.

Dias depois, incomodado com a insistência da filha, Afonso Anes seguiu-a até ao local onde supostamente havia de aparecer a “Senhora muito formosa”. Qual não foi o seu espanto, quando viu a rapariga levantar uma pedra, de onde começou a jorrar água fresca, em muita abundância.
Verificando tratar-se de um milagre, o pai da pastora pediu-lhe perdão, cedendo o terreno para a ermida e mobilizando toda a gente do lugar para ajudar na sua construção. Agradeceu ainda à Virgem ter escolhido a sua humilde filha, como veículo de tão nobre pedido.

A partir desse dia nunca mais faltou água naquele lugar abençoado, sendo atualmente o Santuário de Nossa Senhora da Ajuda, um dos maiores locais de devoção no concelho de Arruda dos Vinhos.

(retirado de cm-arruda.pt/lendas-locais)