Alvoco da Serra - Vide
near Alvoco da Serra, Guarda (Portugal)
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Itinerary description
ATENÇÃO - este percurso sendo fácil é, no entanto, muito PERIGOSO. Se tem vertigem ou qualquer dificuldade de equilíbrio não arrisque percorrê-lo.
Atravessámos a Serra e fomos pôr um carro em Vide e viemos no outro para Alvoco da Serra. Agora, na aldeia que assenta mais perto da Torre que qualquer outra povoação (4,5 kms em linha reta e uma diferença de altitude acima de 1600 m) e que deve o nome ao rio ou ribeira que sempre determinou a vida das suas gentes, deixámos o carro à sombra entre a igreja matriz e o cemitério e seguimos pela Rua dos Beneméritos acima, cortámos para a Rua do Engenho da Serra, que apenas tem saída para umas escadinhas, descemos por um trilho que nem imagina que o é, saltamos pedras, escorregamos por um pequeno talude, quase arrastando o rabo no chão, e seguimos na direção da Piscina da Eira. Contornamos a moderna estrutura e, logo ali, chama-me a atenção uma parede de casa rústica construída com calhaus rolados da ribeira, telhado em telha de canudo assente sobre placas de ardósia. Contornando, notam-se duas épocas de construção em que a última apresenta granito aparelhado nos muros e telha marcelha na cobertura. Faz parte de um conjunto de antigos edifícios, que os avós dos avós de outros avós deste povo, construíram neste local e que, presumo, seriam armazéns para alfaias, tulhas para cereais e leguminosas e outros bens comunitários porque tão juntinhos da eira estão. Esta assinala-se hoje com fragmento de nome lavrado, colocado sobre um penedo e encimado por feixe de cereal secando como outrora se fazia nas courelas em socalcos e lameiros que ladeiam a ribeira que hoje corre praticamente enxuta, mostrando o leito nodoso de grandes pedras que as enxurradas de Inverno vão furtando às encostas da serra e limando pelo vale abaixo.
Por uma calçada tão antiga quanto se lembram as pedras que a ladeiam, entramos no primitivo núcleo da aldeia. A rua é a da Levada que já levou sumiço. Logo aqui, bem perto da eira, o Forno Comunitário. As pedras que emolduram a porta e a chaminé não se lembram de quando aqui se cozia pão com vez marcada. Preserva-se, e bem, a memória de tempos e costumes idos.
Entre muro e paredes de casas em granito, pisando a antiga calçada bem portuguesa, paramos defronte à Casa Museu. Aqui viveu o ferreiro da aldeia, que decerto teria a lavoura como complemento de atividade. Tem três pisos e, como se encontra fechada vou imaginando como seria. Cá em baixo, a loja onde se alojavam cereais, azeite, vinho, lenha e, eventualmente, o burro ou outros animais; no meio, a oficina com forja e bigorna e porta aberta para rua de cima (?); finalmente, no andar superior seria a habitação familiar...
Dando asas à imaginação deixo-a voar a cada esquina. Agora olhamos a capelinha e, se não soubéssemos, bastava olhar para a simbologia das chaves cruzadas na padieira do portal para dizer que o orago é aquele a quem pedimos que não mije cá prá baixo hoje. Singela, bem cuidada mas encerrada. Metemos conversa com o sr. Ildefonso, dono da casa ao lado. - A sacristia era aqui, na minha casa - faz questão que entremos e mostra-nos o local onde se guardavam as alfaias litúrgicas e onde se encontra "empalada" a pia da água-benta - eu fiz a parede em cima dela mas um dia, se eu quiser, parto o cimento e boto-a de novo cá fora.
Deixamos o sr. Ildefonso e as histórias que foi contando de uma família de nove irmãos de que só restam dois.
Chama-nos a atenção agora a verga epigrafada de uma porta. Dificilmente se notaria não fora ter sido destacada a tinta negra. Diz.-se que existirão várias nas casas da aldeia e que o significado não é de todo conhecido ainda. São místicas e aparentam-se com escrita judaica. Fica a curiosidade para posterior pesquisa.
Passamos a Casa do Barão do Alvoco e pela rua do Correio abaixo chegamos à Capela de Santo António. É um singelo monumento de estilo barroco mas que terá sido românico até meio do século XVIII. Aqui mora agora o acervo de arte Sacra. Como já nos habituámos, não entramos porque a porta está fechada e o caminho é longo para que percamos tempo buscando quem nos franqueie a entrada.
Chegamos à ponte que se diz ter feito parte da estrada da Egitânea a Vissaium. Atravessamos olhando as ruínas de uma das três fábricas de lanifícios que aqui laboraram, movidas pela força da água da ribeira, até à 2ª metade do séc XX. Era então esta uma próspera aldeia da corda de lanifícios da Serra.
E cá vamos já pisando o ancestral caminho, desenhado na encosta da margem esquerda do Alvoco por quem diariamente o pisava também no caminho prás "quintas" e courelas ou para e das aldeias a jusante.
Os socalcos cavados na encosta são prova de cansaços mil de quem labutava por pão a cada dia sofrido. Hoje desaproveitados na sua maioria porque o pão já aqui se não colhe. A beleza da paisagem não consigo descrevê-la de tão bela que é.
Vai-se desenrolando o caminho em encosta granítica e a bela vista que, sob um céu de algodão acinzentado, se estende à direita pelo vale onde a ribeira se esperguiça em longos meandros. Meia dúzia de cabras, empoleiradas nos rochedos, vão aproveitando os rebentos das silvas e tojo. O pastor, figura peculiar, vestindo os farrapos que restam de um velho casaco desfiado entre silvados e tojeiras no pastoreio do humilde rebanho, olha-nos desconfiado mas responde à saudação. Entabulamos conversa animada enquanto o rebanho vai pastando alheado do resto. António de nome, revela-nos uma vida sofrida e de trabalho como poucas haverá. Um tumor cerebral arrancado aos 16 anos seguido de paralesia facial não foram suficientes para falhar a tropa. Emigrado cá dentro, trabalhava no Inverno na construção das torres de Tróia e no verão nas construções das Penhas Douradas. Histórias de pão suado e com sabor a lágrimas dos humildes que a sorte não bafeja. Deixamos António entregue ao rebanho das suas recordações que são mais que as suas cabras. Pastoreamos nós agora as nossas emoções serra abaixo. Não tarda esqueceremos estas para nos entregarmos a outras mais pazerosas.
Olhamos as belgas incultivadas lá em baixo. As gentes vão emigrando destas terras e da subjacente pobreza e já não há quem as cultive. Nem mesmo os abundantes milheirais de outrora subsistem. A maior beleza destas paisagens em socalcos deve-se à força e resiliência de gerações de gente curtida pela dureza da vida. A sua marca permanece ainda mas por quanto tempo mais?... as casas que vamos vendo estão a cair e novas não há.
O Outeiro da Vinha fica aqui por cima e no caminho uma cruz de ferro enferrujada dita a sorte que teve aqui José Gonçalves noventa anos passados são. Singela homenagem de filha chorosa.
Deixado para trás o domínio do granito estamos agora em terras onde muros e construções são de xisto. A levada por baixo dos socalcos não descedenta courelas mas alimentava moinho morto porque morto há muito já foi o moleiro.
Um pouco mais andamos e cruzamos a estrada de Vasco Esteves de Cá é de Além que hoje são de Cima e de Baixo. Interrogo-me sobre quem terá sido tão extraordinária pessoa para ter nome de povoado. Nome de rua é para gente importante, de povoado terá que ser líder diferenciado ou fundador incontestado. Hei de procurar.
Descemos, e agora, na estreita ponte de betão sobre a ribeira, reparamos no canhão cavado no xisto com paredes tão lisas e aprumadas que parece não ter sido obra da natureza. Entramos no carreiro e os tanques da truticultura à nossa direita dão-nos a ideia de que seria por ali que a ribeira deveria correr. Um homem lança ração para um tanque e logo mete o camaroeiro à água tirando-o pleno de peixes irrequietos que coloca num balde com água. Passamos por casa de xisto que na loja tem capoeira e as portas aparentam uso. Estará habitada?...
Agora tenho a certeza, o corte no xisto foi obra de gente. O meandro cortado tem o viveiro das trutas, tem um lago a seguir, um pomar e terrenos de cultivo. O curso da ribeira foi desviado na parte mais estreita do meandro para se poder aproveitar os terrenos de aluvião agricolamente ricos. Estes desvios da ribeira provocam naturalmente um "salto" cascateando a água que acaba escavando um poço no leito. São os "Poços de Broca", típicos desta e da região de Loriga.
Agora, na estrada do Aguincho a Frádigas, qualquer dúvida desaparece à vista da cascata do "Poço de Broca do Aguincho". Mesmo à distância e com pouca água, apresenta uma beleza incomum.
Saímos do asfalto à esquerda, por carreiro sinalizado mas pouco definido para, em baixo, apanhar a levada que vem de cima do "Poço" e se destina a irrigar os terrenos dos socalcos escavados na encosta. Nem sempre o caminho é suficiente para caberem dois pés, pelo que nos vemos de quando em vez (mais vezes do que quando) a caminhar com um pé em cada borda da levada. O inconveniente é que só se aprecia a paisagem parando e o perigo de dar de beber às botas é grande mas pior seria cair prá outra banda. Vamos lá com cuidadinho!
Saímos da levada e quem nos leva agora é a vontade, há muito sentida, de uma cervejinha. Estamos em Frádigas. Nasceu esta povoação da antiga Quinta das Fradegas cujo primeiro proprietário tinha por alcunha "o Costas Largas". Porquê?... também eu gostava de saber mas quem mo disse desconhecia de modo igual.
Subimos a Rua até ao café da aldeia. Almoçamos e não foi uma mas duas cervejas por cabeça.
Descemos à Capela de N.ª Senhora da Boa Sorte. Em 1938, quando foi inaugurada, chamava-se este local Serro da Obra. Damos a volta e seguimos, por caminho íngreme, para o Poço da Broca de Frádigas. Passamos a ponte mesmo por cima da belíssima cascata. Às vezes as obras dos homens conseguem rivalizar com as da natureza.
Atravessámos terrenos roubados à ribeira e já seguimos outra levada que água não leva e é a nossa sorte porque as silvas e o mato invadiram o caminho e temos que seguir o que seria da água se por aqui corresse. As paisagens do vale, à nossa direita, não são de sonho menos belo que o eram as que para trás ficaram. Lá em baixo, um açude espomeia a água límpida. As ruínas de casa de xisto, juntinho a ela, levam-nos a imaginar engenhos e mós moendo o milho da lavra passada. Não existirá engenho nem mós moendo mas apenas recordações nos filhos da terra. Não me apercebi a partir de onde ou quando passou a passar água na levada. Alguém colocou um estrado sobre a levada em ponto em que tínhamos mesmo que molhar as botas porque o precipício ao lado era fundo de mais para nele querer cair.
Já se vislumbra Barriosa. Entramos por rua florida e de casas e ruas típicas das aldeias de xisto. Granito só nas calçadas. Muito bonita é a aldeia. Tivéssemos tempo e percorreríamos todas as estreitas ruas. Entre duas paredes corre a levada e, sobre ela, foram colocadas lajes de ardósia espaçadas para que se possa percorrer este pequeno beco.
Vamos descendo para onde convergem todos os forasteiros - o Poço de Broca mais famoso da região, quiçá do país. E a fama vã não é. A água salta por vários caminhos espumando nas rochas e escorrendo na vegetação que pende da cascata.
Não foi longa a demora, anda por aqui muita gente. Por isso aqui vamos descendo em frente ao Guarda Rios, o restaurante que um dia hei de visitar não só para saber a história destes edifícios mas também para saborear as maravilhas que, dizem, saem da sua cozinha.
Recebi o alerta do Wikiloc porque se acabaram os 50 waypoints disponíveis. Eliminei um para guardar espaço para o último Poço de Broca - o Poço Fundeiro.
Andámos um pouco à beira da ribeira, maravilha, depois um caminho de terra batida, sem história, e já há algum tempo que vimos a fazer equilíbrio sobre uma levada, de tal modo perigosa que, mesmo com a quantidade de estrados colocados sobre ela, os riscos são muitos.
Um elemento deste quarteto circence, especializado desde há uma hora atrás em equilibrismo sobre levadas arruinadas sobre precipícios em socalcos, acaba de dar de beber às botas pela segunda vez. Dêmos graças a Deus porque se o pé tem resvalado para o outro lado podia ser um desastre.
Entre a atenção no número de circo e um piscar de olhos à paisagem, que continua a ser maravilhosa, tento descortinar o nosso 4º Poço de Broca, o Poço Fundeiro, mas em vão. Gasto o último waypoints numa foto para o vale e presto de novo muita atenção ao arame, digo... levada.
Ufa!... Acabou o perigo. Descemos para a margem do Alva em Vide passando pela igreja, que já conhecíamos, e seguimos pró Bar Fontinha, onde acabamos como se esperava - saboreando uma imperial fresquinha.
Atravessámos a Serra e fomos pôr um carro em Vide e viemos no outro para Alvoco da Serra. Agora, na aldeia que assenta mais perto da Torre que qualquer outra povoação (4,5 kms em linha reta e uma diferença de altitude acima de 1600 m) e que deve o nome ao rio ou ribeira que sempre determinou a vida das suas gentes, deixámos o carro à sombra entre a igreja matriz e o cemitério e seguimos pela Rua dos Beneméritos acima, cortámos para a Rua do Engenho da Serra, que apenas tem saída para umas escadinhas, descemos por um trilho que nem imagina que o é, saltamos pedras, escorregamos por um pequeno talude, quase arrastando o rabo no chão, e seguimos na direção da Piscina da Eira. Contornamos a moderna estrutura e, logo ali, chama-me a atenção uma parede de casa rústica construída com calhaus rolados da ribeira, telhado em telha de canudo assente sobre placas de ardósia. Contornando, notam-se duas épocas de construção em que a última apresenta granito aparelhado nos muros e telha marcelha na cobertura. Faz parte de um conjunto de antigos edifícios, que os avós dos avós de outros avós deste povo, construíram neste local e que, presumo, seriam armazéns para alfaias, tulhas para cereais e leguminosas e outros bens comunitários porque tão juntinhos da eira estão. Esta assinala-se hoje com fragmento de nome lavrado, colocado sobre um penedo e encimado por feixe de cereal secando como outrora se fazia nas courelas em socalcos e lameiros que ladeiam a ribeira que hoje corre praticamente enxuta, mostrando o leito nodoso de grandes pedras que as enxurradas de Inverno vão furtando às encostas da serra e limando pelo vale abaixo.
Por uma calçada tão antiga quanto se lembram as pedras que a ladeiam, entramos no primitivo núcleo da aldeia. A rua é a da Levada que já levou sumiço. Logo aqui, bem perto da eira, o Forno Comunitário. As pedras que emolduram a porta e a chaminé não se lembram de quando aqui se cozia pão com vez marcada. Preserva-se, e bem, a memória de tempos e costumes idos.
Entre muro e paredes de casas em granito, pisando a antiga calçada bem portuguesa, paramos defronte à Casa Museu. Aqui viveu o ferreiro da aldeia, que decerto teria a lavoura como complemento de atividade. Tem três pisos e, como se encontra fechada vou imaginando como seria. Cá em baixo, a loja onde se alojavam cereais, azeite, vinho, lenha e, eventualmente, o burro ou outros animais; no meio, a oficina com forja e bigorna e porta aberta para rua de cima (?); finalmente, no andar superior seria a habitação familiar...
Dando asas à imaginação deixo-a voar a cada esquina. Agora olhamos a capelinha e, se não soubéssemos, bastava olhar para a simbologia das chaves cruzadas na padieira do portal para dizer que o orago é aquele a quem pedimos que não mije cá prá baixo hoje. Singela, bem cuidada mas encerrada. Metemos conversa com o sr. Ildefonso, dono da casa ao lado. - A sacristia era aqui, na minha casa - faz questão que entremos e mostra-nos o local onde se guardavam as alfaias litúrgicas e onde se encontra "empalada" a pia da água-benta - eu fiz a parede em cima dela mas um dia, se eu quiser, parto o cimento e boto-a de novo cá fora.
Deixamos o sr. Ildefonso e as histórias que foi contando de uma família de nove irmãos de que só restam dois.
Chama-nos a atenção agora a verga epigrafada de uma porta. Dificilmente se notaria não fora ter sido destacada a tinta negra. Diz.-se que existirão várias nas casas da aldeia e que o significado não é de todo conhecido ainda. São místicas e aparentam-se com escrita judaica. Fica a curiosidade para posterior pesquisa.
Passamos a Casa do Barão do Alvoco e pela rua do Correio abaixo chegamos à Capela de Santo António. É um singelo monumento de estilo barroco mas que terá sido românico até meio do século XVIII. Aqui mora agora o acervo de arte Sacra. Como já nos habituámos, não entramos porque a porta está fechada e o caminho é longo para que percamos tempo buscando quem nos franqueie a entrada.
Chegamos à ponte que se diz ter feito parte da estrada da Egitânea a Vissaium. Atravessamos olhando as ruínas de uma das três fábricas de lanifícios que aqui laboraram, movidas pela força da água da ribeira, até à 2ª metade do séc XX. Era então esta uma próspera aldeia da corda de lanifícios da Serra.
E cá vamos já pisando o ancestral caminho, desenhado na encosta da margem esquerda do Alvoco por quem diariamente o pisava também no caminho prás "quintas" e courelas ou para e das aldeias a jusante.
Os socalcos cavados na encosta são prova de cansaços mil de quem labutava por pão a cada dia sofrido. Hoje desaproveitados na sua maioria porque o pão já aqui se não colhe. A beleza da paisagem não consigo descrevê-la de tão bela que é.
Vai-se desenrolando o caminho em encosta granítica e a bela vista que, sob um céu de algodão acinzentado, se estende à direita pelo vale onde a ribeira se esperguiça em longos meandros. Meia dúzia de cabras, empoleiradas nos rochedos, vão aproveitando os rebentos das silvas e tojo. O pastor, figura peculiar, vestindo os farrapos que restam de um velho casaco desfiado entre silvados e tojeiras no pastoreio do humilde rebanho, olha-nos desconfiado mas responde à saudação. Entabulamos conversa animada enquanto o rebanho vai pastando alheado do resto. António de nome, revela-nos uma vida sofrida e de trabalho como poucas haverá. Um tumor cerebral arrancado aos 16 anos seguido de paralesia facial não foram suficientes para falhar a tropa. Emigrado cá dentro, trabalhava no Inverno na construção das torres de Tróia e no verão nas construções das Penhas Douradas. Histórias de pão suado e com sabor a lágrimas dos humildes que a sorte não bafeja. Deixamos António entregue ao rebanho das suas recordações que são mais que as suas cabras. Pastoreamos nós agora as nossas emoções serra abaixo. Não tarda esqueceremos estas para nos entregarmos a outras mais pazerosas.
Olhamos as belgas incultivadas lá em baixo. As gentes vão emigrando destas terras e da subjacente pobreza e já não há quem as cultive. Nem mesmo os abundantes milheirais de outrora subsistem. A maior beleza destas paisagens em socalcos deve-se à força e resiliência de gerações de gente curtida pela dureza da vida. A sua marca permanece ainda mas por quanto tempo mais?... as casas que vamos vendo estão a cair e novas não há.
O Outeiro da Vinha fica aqui por cima e no caminho uma cruz de ferro enferrujada dita a sorte que teve aqui José Gonçalves noventa anos passados são. Singela homenagem de filha chorosa.
Deixado para trás o domínio do granito estamos agora em terras onde muros e construções são de xisto. A levada por baixo dos socalcos não descedenta courelas mas alimentava moinho morto porque morto há muito já foi o moleiro.
Um pouco mais andamos e cruzamos a estrada de Vasco Esteves de Cá é de Além que hoje são de Cima e de Baixo. Interrogo-me sobre quem terá sido tão extraordinária pessoa para ter nome de povoado. Nome de rua é para gente importante, de povoado terá que ser líder diferenciado ou fundador incontestado. Hei de procurar.
Descemos, e agora, na estreita ponte de betão sobre a ribeira, reparamos no canhão cavado no xisto com paredes tão lisas e aprumadas que parece não ter sido obra da natureza. Entramos no carreiro e os tanques da truticultura à nossa direita dão-nos a ideia de que seria por ali que a ribeira deveria correr. Um homem lança ração para um tanque e logo mete o camaroeiro à água tirando-o pleno de peixes irrequietos que coloca num balde com água. Passamos por casa de xisto que na loja tem capoeira e as portas aparentam uso. Estará habitada?...
Agora tenho a certeza, o corte no xisto foi obra de gente. O meandro cortado tem o viveiro das trutas, tem um lago a seguir, um pomar e terrenos de cultivo. O curso da ribeira foi desviado na parte mais estreita do meandro para se poder aproveitar os terrenos de aluvião agricolamente ricos. Estes desvios da ribeira provocam naturalmente um "salto" cascateando a água que acaba escavando um poço no leito. São os "Poços de Broca", típicos desta e da região de Loriga.
Agora, na estrada do Aguincho a Frádigas, qualquer dúvida desaparece à vista da cascata do "Poço de Broca do Aguincho". Mesmo à distância e com pouca água, apresenta uma beleza incomum.
Saímos do asfalto à esquerda, por carreiro sinalizado mas pouco definido para, em baixo, apanhar a levada que vem de cima do "Poço" e se destina a irrigar os terrenos dos socalcos escavados na encosta. Nem sempre o caminho é suficiente para caberem dois pés, pelo que nos vemos de quando em vez (mais vezes do que quando) a caminhar com um pé em cada borda da levada. O inconveniente é que só se aprecia a paisagem parando e o perigo de dar de beber às botas é grande mas pior seria cair prá outra banda. Vamos lá com cuidadinho!
Saímos da levada e quem nos leva agora é a vontade, há muito sentida, de uma cervejinha. Estamos em Frádigas. Nasceu esta povoação da antiga Quinta das Fradegas cujo primeiro proprietário tinha por alcunha "o Costas Largas". Porquê?... também eu gostava de saber mas quem mo disse desconhecia de modo igual.
Subimos a Rua até ao café da aldeia. Almoçamos e não foi uma mas duas cervejas por cabeça.
Descemos à Capela de N.ª Senhora da Boa Sorte. Em 1938, quando foi inaugurada, chamava-se este local Serro da Obra. Damos a volta e seguimos, por caminho íngreme, para o Poço da Broca de Frádigas. Passamos a ponte mesmo por cima da belíssima cascata. Às vezes as obras dos homens conseguem rivalizar com as da natureza.
Atravessámos terrenos roubados à ribeira e já seguimos outra levada que água não leva e é a nossa sorte porque as silvas e o mato invadiram o caminho e temos que seguir o que seria da água se por aqui corresse. As paisagens do vale, à nossa direita, não são de sonho menos belo que o eram as que para trás ficaram. Lá em baixo, um açude espomeia a água límpida. As ruínas de casa de xisto, juntinho a ela, levam-nos a imaginar engenhos e mós moendo o milho da lavra passada. Não existirá engenho nem mós moendo mas apenas recordações nos filhos da terra. Não me apercebi a partir de onde ou quando passou a passar água na levada. Alguém colocou um estrado sobre a levada em ponto em que tínhamos mesmo que molhar as botas porque o precipício ao lado era fundo de mais para nele querer cair.
Já se vislumbra Barriosa. Entramos por rua florida e de casas e ruas típicas das aldeias de xisto. Granito só nas calçadas. Muito bonita é a aldeia. Tivéssemos tempo e percorreríamos todas as estreitas ruas. Entre duas paredes corre a levada e, sobre ela, foram colocadas lajes de ardósia espaçadas para que se possa percorrer este pequeno beco.
Vamos descendo para onde convergem todos os forasteiros - o Poço de Broca mais famoso da região, quiçá do país. E a fama vã não é. A água salta por vários caminhos espumando nas rochas e escorrendo na vegetação que pende da cascata.
Não foi longa a demora, anda por aqui muita gente. Por isso aqui vamos descendo em frente ao Guarda Rios, o restaurante que um dia hei de visitar não só para saber a história destes edifícios mas também para saborear as maravilhas que, dizem, saem da sua cozinha.
Recebi o alerta do Wikiloc porque se acabaram os 50 waypoints disponíveis. Eliminei um para guardar espaço para o último Poço de Broca - o Poço Fundeiro.
Andámos um pouco à beira da ribeira, maravilha, depois um caminho de terra batida, sem história, e já há algum tempo que vimos a fazer equilíbrio sobre uma levada, de tal modo perigosa que, mesmo com a quantidade de estrados colocados sobre ela, os riscos são muitos.
Um elemento deste quarteto circence, especializado desde há uma hora atrás em equilibrismo sobre levadas arruinadas sobre precipícios em socalcos, acaba de dar de beber às botas pela segunda vez. Dêmos graças a Deus porque se o pé tem resvalado para o outro lado podia ser um desastre.
Entre a atenção no número de circo e um piscar de olhos à paisagem, que continua a ser maravilhosa, tento descortinar o nosso 4º Poço de Broca, o Poço Fundeiro, mas em vão. Gasto o último waypoints numa foto para o vale e presto de novo muita atenção ao arame, digo... levada.
Ufa!... Acabou o perigo. Descemos para a margem do Alva em Vide passando pela igreja, que já conhecíamos, e seguimos pró Bar Fontinha, onde acabamos como se esperava - saboreando uma imperial fresquinha.
Waypoints
![Photo ofInscrições epigrafadas que ninguém sabe o que são + uma rua típica + capela de São José](https://s1.wklcdn.com/image_12/382334/74865570/49030966.400x300.jpg)
![Photo ofInscrições epigrafadas que ninguém sabe o que são + uma rua típica + capela de São José](https://s0.wklcdn.com/image_12/382334/74865570/49030968.400x300.jpg)
![Photo ofInscrições epigrafadas que ninguém sabe o que são + uma rua típica + capela de São José](https://s0.wklcdn.com/image_12/382334/74865570/49030971.400x300.jpg)
Inscrições epigrafadas que ninguém sabe o que são + uma rua típica + capela de São José
![Photo ofPassadiço que permite passar sobre a levada em local onde não há espaço entre a levada e o precipício](https://s0.wklcdn.com/image_12/382334/74865604/49031127.400x300.jpg)
![Photo ofPassadiço que permite passar sobre a levada em local onde não há espaço entre a levada e o precipício](https://s1.wklcdn.com/image_12/382334/74865604/49031131.400x300.jpg)
Passadiço que permite passar sobre a levada em local onde não há espaço entre a levada e o precipício
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Conforme descrito este trilho não é difícil mas sim periigoso, dado a densidade de mato que envolve as levadas e o que esse mato encobre. Além disso alguns socalcos onde a levada se sustenta ruíram e outros estarão em risco de ruírem. Apesar da grande beleza do caminho e da riquíssima descrição aqui partilhada achamos q este trilho devia estar interdito até ser requalificado de forma a garantir a segurança de quem lá passe.
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Moderate
Percurso muito bonito, com muitos pontos de interesse mas com muitas "armadilhas" nas levadas que me levaram a desequilibrar e enfiar as botas na regueira.
Quem tiver dificuldade de equilíbrio não faça este percurso.